Anulação do julgamento do massacre do Carandiru e a “carta branca para policial militar matar”

No momento em que o Massacre do Carandiru acaba de completar 26 anos, o julgamento dos policiais envolvidos no assassinato de 111 homens presos no Complexo ganhou mais um capítulo no Judiciário paulista.

A 4ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, no dia 27 de novembro, manteve a anulação dos julgamentos realizados entre 2013 e 2014, decidida pelo mesmo órgão em 2016. Quatro desembargadores votaram pelo agendamento de um novo júri; apenas um foi a favor de absolver os policiais.

Conhecido como um dos maiores massacres da história do país e um símbolo da violência dentro do cárcere, o caso do Carandiru será julgado novamente em um momento político marcado por discursos de ódio e pela defesa da violência como resposta para os problemas sociais.

O governador eleito no Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) faz a defesa explícita da violência policial (“a polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro”). Em São Paulo, o governador eleito, João Dória (PSDB), declarou que, a partir de janeiro de 2019, a polícia vai “atirar para matar”, dando continuidade a décadas de ações da Polícia Militar contra as periferias e a juventude negra. O futuro presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), também já defendeu publicamente que policiais tenham “carta branca” para matar, principalmente por meio do alargamento das hipóteses para o já existente “excludente de ilicitude”.

Realizar um novo julgamento, nesse contexto em que práticas policiais criminosas ganham cada vez mais respaldo institucional, é um consentimento explícito para mais violência de Estado. Trata-se de um sinal verde para assassinar pessoas presas, majoritariamente negras e pobres em nome de uma suposta política de segurança pública.

A anulação também se insere em uma tendência de revisionismo histórico que parece assolar a sociedade brasileira. A tentativa de reescrever fatos é colocada em evidência quando são ignorados os exames da perícia para alegar que a chacina praticada naquele 2 de outubro consistiria uma autodefesa dos 74 PMs envolvidos. Os resultados indicaram que a quantidade de presos fora das celas não correspondia à versão de que os policiais estariam em perigo, e a quantidade de tiros disparados contra a cabeça e o tórax dos presos do pavilhão 9 denunciavam a intenção de assassinato.

Além disso, há relatos de sobreviventes corroborando com a narrativa de ação homicida dos policiais. Mesmo com tais evidências de práticas de extermínio, os magistrados realizam malabarismos para transformar um massacre em atuação legítima.

A decisão do TJSP evidencia mais uma vez a gritante seletividade do poder Judiciário. De um lado, condena sem provas todos os dias pessoas como Rafael Braga e Barbara Querino. Do outro, ignora as evidências da violência praticadas pelo Estado, consagrando a letalidade policial contra aqueles que deveriam estar sob sua tutela e proteção. O diagnóstico de Caetano Veloso se mantém atual, e assim segue “o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina”.


Por Mariana Boujikian, cientista social e pesquisadora do Programa Justiça Sem Muros, do ITTC

 

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dez 13, 2018 | Artigos, Mídia | 0 Comentários

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