Criminalização da homofobia e a lógica punitivista

Na próxima quinta-feira, 23 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomará o julgamento sobre a criminalização da homofobia (ou “homotransfobia”). O que está em discussão são dois processos específicos: a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26 e o Mandado de Injunção (MI) nº 4733. Resumidamente, isso significa que o STF decidirá se o Congresso Nacional tem se omitido em criar uma legislação que criminalize a LGBTfobia. Ambos os processos em questão pedem a equiparação do tratamento penal dado a tais condutas ao previsto para os crimes de racismo tipificados na Lei Federal nº 7.716.

Aconteceram, até o momento, duas sessões no STF sobre esse tema, nos dias 13 e 21 de fevereiro deste ano. Quatro dos onze ministros já declararam voto favorável à criminalização: Edson Fachin, Celso de Mello, Alexandre de Moraes e Roberto Barroso.

Organizações da luta LGBT, aliadas e aliados e figuras de referência política e midiática têm se mobilizado para pressionar os ministros a votarem a favor da decisão. O ITTC, por sua vez, apoia a promoção de direitos a pessoas LGBT, inclusive as que se encontram no cárcere. Entretanto é preciso repensar movimentos pró-criminalização de condutas, tendo em vista a comprovada ineficiência do punitivismo penal para resolução de conflitos.

Seletividade penal

A população prisional brasileira é majoritariamente composto de pessoas negras e de baixas renda e escolaridade. No tocante aos tipos de crime que levam ao cárcere, as acusações por  tráfico de drogas e por roubo lideram as estatísticas. Conclui-se, a partir desse cenário, como funciona a seletividade penal. Nesse contexto, a criminalização de ofensas LGBTfobicas, atingiria o mesmo as mesmas pessoas historicamente marcadas como alvo da justiça criminal.

A pena de prisão é utilizada há séculos como instrumento para a segregação e punição de pessoas indesejadas pelos atores nas mais diversas esferas de poder. A dinâmica do racismo estrutural é ainda mais evidente quando se observa o sistema prisional. Com o fim da escravidão e a liberdade abstrata para as pessoas negras integrarem a sociedade, foram criadas novas leis que penalizavam, direta e massivamente, a existência desse grupo social – por exemplo, a Lei da Vadiagem. Mais de um século depois, a Lei de Drogas de 2006 passou a ser um importante mecanismo para a continuidade e validade do racismo estrutural. Ou seja, quando a opressão direta passa a ser proibida por lei, são elaborados novos e mais sofisticados mecanismos de controle e exclusão.

Criminalizar não atinge a raiz dos problemas

As propostas criminalizadoras e o endurecimento de penas não têm se provado eficientes para a redução dos índices de violência física e/ou simbólica. A cortina de fumaça punitivista que construímos não passa disso: uma distração do âmago do problema. Ainda assim, continuamos a insistir em um modelo que já nasceu falido.

O cárcere, por definição um espaço de restrição de direitos, não foi arquitetado para “regenerar” o indivíduo. Prende-se por vingança, por sede de controle e poder, marcando de forma permanente a trajetória dos sujeitos. O confinamento e a privação de direitos humanos básicos têm o efeito contrário ao que se propõe de forma retórica. Não promovem reflexões ou responsabilização, apenas mais punição.

Prender uma pessoa por LGBTfobia não a incita a repensar seus preconceitos e concepções deturpadas sobre papéis de gênero e sexualidade . A experiência prisional não serve à  transformação de mentalidade ou suscita empatia. Da perspectiva da vítima, o aprisionamento do ofensor não repara os danos morais, psicológicos e até materiais infligidos a ela.

Por todas as razões citadas, criminalizar a homofobia/homotransfobia não teria o efeito pretendido de diminuir a violência contra a população LGBT.

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maio 21, 2019 | Artigos, Noticias | 0 Comentários

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