[Depoimento] – II Encontro Nacional de Encarceramento Feminino

Dra. Michael Mary Nolan explica a relação das mulheres com o mundo das drogas

Dra. Michael Mary Nolan explica a relação das mulheres com o mundo das drogas

 

 

Por Gabriela Ferraz – ITTC

Nos últimos dias 21 e 22 de agosto, em Brasília, o CNJ promoveu o II Encontro Nacional de Encarceramento Feminino para discutir temas relacionados ao crescente e desproporcional aumento das taxas de detenção entre as mulheres. Hoje elas já representam 7% do contingente de presos, mas as políticas públicas ainda não são pensadas levando em consideração as especificidades de gênero. O seminário contou com a participação de representantes do Judiciário, magistrados, servidores dos tribunais, psicólogos, assistentes sociais e profissionais envolvidos com o sistema carcerário brasileiro, dentre eles, a Presidente do ITTC, Dra. Michael Mary Nolan.

Nesta mesa foi tratada a relação das mulheres com o mundo das drogas, com ênfase no papel desempenhado pelas mesmas. Restou claro que a figura da “mula” precisa ser urgentemente reconhecida pelo sistema judiciário Brasileiro, vez que esta mulher deve sair da condição de criminosa (que lhe é injustamente imputada), para assumir sua real posição de vítima. A situação das estrangeiras que são presas por tráfico internacional de entorpecentes é ainda mais grave e, portanto, merece ainda mais destaque.

Hoje temos 829 presas estrangeiras no país. Mulheres que, na sua grande maioria, são mães de filhos menores que permaneceram em seus países de origem. Mulheres estas que sofreram ameaças ou que foram, na sua grande maioria, enganadas para fazer entrar pequenas quantidades de droga no Brasil. Verdadeiras iscas humanas. Essas mulheres não possuem documentos, não falam a língua portuguesa, não são assistidas por Defensores Públicos e nem recebem o auxílio de intérpretes que possam traduzir o boletim de ocorrência que assinam. Essas mulheres não têm endereço fixo no Brasil e, por esta razão, os magistrados não concedem sua progressão para um regime mais brando (mesmo quando este é um direito adquirido), mantendo-a em regime fechado até a conclusão integral da sua pena.

Enquanto aguarda, a presa estrangeira anseia pelo seu processo de expulsão do país, que não se concretiza por morosidade e ineficiência do poder público. Tampouco existem estabelecimentos públicos para abrigar egressas estrangeiras que aguardam seu decreto de expulsão, o que agrava consideravelmente sua condição de vulnerabilidade. Essas mulheres, indocumentadas, não podem trabalhar licitamente pois seus passaportes restam retidos dentro dos respectivos processos. Ou seja, significa dizer que o Brasil fere diversos direitos inerentes à pessoa humana, começando pelo princípio da igualdade que é notoriamente desconsiderado.

Na conclusão dos debates, o grupo de trabalho sobre Tráfico de Entorpecentes e Penas Restritivas de Direito, apoiou, veementemente, a adoção de penas alternativas para as mulheres usadas como “mulas” pelo narcotráfico e também para as vítimas de “coação moral irresistível” por parte de familiares encarcerados. Um segundo grupo de trabalho, desta vez sobre a imoralidade e a ilegalidade das revistas praticadas em visitantes das unidades prisionais, concluiu que a necessidade de implementar e regularizar revistas humanizadas em todo o país é urgente. Por revista humanizada entende-se aquela onde os familiares não precisem se despir, agachar, fazer flexões e nem mesmo receber toques em suas regiões íntimas por parte de agentes penitenciários. Esse entendimento baseia-se no fato de que esta não é a forma pela qual armas, celulares e drogas entram nas unidades prisionais. Conclui-se que esta revista, entendida como humilhante, serve ao único intuito de agravar a segregação do preso, além de ser uma clara afronta ao princípio legal que determina que a pena não pode ultrapassar a pessoa do apenado.

O Encontro ainda trabalhou o tema que gira em torno da necessidade de implementação e aumento do número de sentenças que apliquem penas de prisão domiciliar para gestantes e mães com filhos que ainda sejam emocionalmente dependentes. A adoção de medidas alternativas à pena de reclusão ou detenção, como é a prisão domiciliar, reduziria os danos psicológicos, sociais e intelectuais causados nos menores que crescem dentro das instituições, além de proporcionar um tratamento mais humanizado às estas mulheres em situação de extrema vulnerabilidade.

A Defensora Fernanda Balera, parceira do ITTC, afirmou que: “o aumento das mulheres na população carcerária brasileira torna mais urgente a concessão de prisões domiciliares. Quanto mais mulheres presas, mais crianças serão afetadas por essas prisões”. O problema aqui, mais uma vez, é o fato de a prisão domiciliar não ser aplicada, embora esteja devidamente prevista em lei. Além deste ponto, o artigo 89 da Lei de Execuções Penais – LEP, também afirma que devem existir creches e berçários dentro das penitenciárias femininas brasileiras. No entanto, este, dentre muitos outros dispositivos, são solenemente ignorados pelo nosso regime, dito democrático.

O Seminário também apresentou propostas e deu encaminhamentos para que possamos exigir da União e dos Estados brasileiros, assim como do Poder Judiciário e de todos os órgãos integrantes do sistema de justiça criminal, o cumprimento das regras das Nações Unidas sobre reclusão de mulheres cumpridoras de penas e medidas não privativas de liberdade, as chamadas (e, ainda, pouco conhecidas) Regras de Bangcok. De acordo com o CNJ: “(…) esta é uma das principais recomendações da chamada Carta de Brasília, divulgada na quarta-feira, dia 29/06 e resultado do ciclo de palestras e debates realizados durante o Encontro Nacional sobre o Encarceramento Feminino. Enfatiza que para o atendimento a tais regras é importante que o poder público e a sociedade, de maneira geral, realizem estudos sistemáticos com o intuito de detectar as causas estruturais da violência contra a mulher e fortalecer os trabalhos de prevenção – com vistas a, posteriormente, combater normas sociais e jurídicas discriminatórias. Chama a atenção, ainda, para a necessidade de que sejam formuladas políticas públicas específicas para as mulheres detidas ou recolhidas em instituições prisionais”.

O Seminário ainda abordou outros temas de suma importância como a questão das medidas alternativas que são extremamente mal aplicadas no contexto brasileiro, além de questões ligadas à saúde mental da presa e a necessidade de fechar os manicômios judiciais, violadores dos direitos humanos, que ainda estão em funcionamento no país.

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Gabriela Cunha Ferraz é advogada, mestre e militante pela defesa dos Direitos Humanos. É coordenadora de Advocacy no Projeto de Justiça Criminal do ITTC, Membro do GT de Sistema Prisional da ONG Advogados sem Fronteiras, colaboradora do CLADEM Brasil, Diretora do Comitê de Responsabilidade Social de Jovens Empreendedores da FIESP.

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ago 29, 2013 | Sem categoria | 0 Comentários

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