Isolamento, abandono e saudade: a luta das migrantes em conflito com a lei

Por Juliana Avila Gritti

ConverSarau discutiu mulheres migrantes encarceradas no Brasil

O quinto ConverSarau da campanha “Encarceramento em massa é Justiça?”, no último dia 29 de agosto no Sesc 24 de Maio, foi marcado por muitos momentos de comoção, tanto das convidadas quanto da plateia. O debate foi conduzido por Agnes Dolly Ngcama e Nulvia Vanessa Pacheco Paez, migrantes sentenciadas no Brasil, a antropóloga Natália Padovani e Cátia Kim, advogada e uma das pesquisadoras do ITTC.

Na abertura, Kim emocionou-se ao se lembrar de Maria Magdalena, uma sul-africana atendida pelo Instituto falecida em junho deste ano sem a oportunidade de retornar a sua terra natal. Depois, a advogada leu, em parceria com Agnes, o poema Diaspora Blues, da escritora nigeriana Ijeoma Umebinyuo:

Então aqui está você
Estrangeira demais para o seu lar
Estrangeira demais para cá
Nunca o suficiente para ambos
(tradução livre)

Estes versos simbolizam algumas das facetas de problemas encontrados pelas estrangeiras que cumprem ou cumpriram pena no Brasil, como a solidão e o sentimento de desamparo. Longe de suas famílias e amigos, sem conseguirem estabelecer contato com os conterrâneos e comumente sem conhecerem a língua portuguesa, a rotina dentro e fora da prisão para essas mulheres esbarra em uma série de obstáculos. Nos relatos de Nulvia e Agnes, elas afirmaram que o ITTC teve papel crucial em suas trajetórias: “por ele, eu conheci outro mundo. Ficava envergonhada de tanta carta que escrevia!”, brincou Nulvia.

Agnes, alternando o inglês de sotaque sul-africano com o português que batalhou para aprender, achava o cárcere algo impensável, uma situação “de outro mundo”. Portanto teve que lidar com um grande choque quando foi presa dentro de um aeroporto, em 2014. Na sua experiência, o idioma foi sua maior dificuldade, pois dentro da penitenciária não parecia haver funcionários que falassem inglês ou qualquer outra língua estrangeira. Certo dia, sofrendo de muitas dores de cabeça, teve que apelar para a mímica para pedir um analgésico.

No dia em que reconquistou a liberdade fora das grades, Agnes foi liberada da delegacia durante a madrugada, sem orientação ou apoio de qualquer representante do sistema de Justiça. “É como se estivessem soltando um animal”, desabafou. Para ela, a Polícia Federal deveria ter por regra ao menos a liberação apenas no período diurno. Tal falta de suporte do poder público faz com que os egressos e as egressas retornem ao sistema com frequência, pois não há amparo para essas pessoas fora do cárcere.

A sul-africana é enfática em um ponto: “Todo mundo julga como quer julgar. Ninguém quer saber quem você é de verdade como pessoa”. E, mesmo diante de uma situação delicada, aguardando o processo de expulsão, ela diz sentir pelos presos e presas do nosso país: “e as pessoas brasileiras, que vão continuar com o estigma, em uma sociedade que não dá segunda chance?”.

O sentimento de exclusão, por outra via, às vezes é um elemento que une as migrantes dentro das penitenciárias. Foi o caso de Nulvia, que considera suas ex-colegas como parte da família: “viramos amigas, e hoje eu diria que somos irmãs”. Essa gratidão para com as companheiras é um dos combustíveis que faz com que a venezuelana continue a denunciar as mazelas do nosso sistema de justiça, que ainda não se organizou para lidar com pessoas estrangeiras em conflito com a lei.

Natália Padovani, por sua vez, abordou a questão de uma perspectiva histórica, desde os tempos da Lei da Vadiagem até os excessos atuais do governo municipal com relação ao Parque da Luz e à Cracolândia. A antropóloga afirmou haver a construção de uma narrativa coletiva na qual os estrangeiros são colocados como perigosos, invasores e criminosos, sendo o encarceramento uma das maneiras de realizar limpeza higienista nas cidades.

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set 6, 2018 | Noticias | 0 Comentários

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