O porquê de acabar com as prisões femininas

A realidade carcerária brasileira não é tão diferente da realidade americana descrita no texto. O Brasil é o terceiro país com a maior população carcerária e, também aqui, cresce o número de mulheres presas. O Projeto Estrangeiras – ITTC tem, desde 2001, trabalhado com as estrangeiras encarceradas em São Paulo. Assim como os índices apresentados no artigo comprovam, a maioria delas cometeu crimes não violentos e são as principais provedoras de sua família. São mães, filhas e irmãs que, por serem mulheres, estrangeiras e presas, são triplamente condenadas. É necessário refletir sobre o sistema prisional de forma a incluir os recortes de raça, classe e gênero presentes na sociedade, que se refletem de forma mais violenta ainda dentro dos presídios. O artigo abaixo problematiza o papel da mulher dentro do sistema prisional, suas consequências individuais e também coletivas. Nos parece urgente pensar em uma política de desencarceramento em massa para todas as pessoas presas, mas por que não começar pelas mulheres?

O porquê de acabar com as prisões femininas

Tradução por: Equipe Estrangeiras – ITTC

Parece uma ideia radical. Parar de encarcerar mulheres e fechar os presídios femininos. Mas no Reino Unido existe um movimento que está crescendo, com o apoio de um dos membros da Casa dos Lordes, para fazer isso.

Na verdade, o argumento é muito objetivo: para começar, existem muito menos mulheres do que homens na prisão – elas representam apenas cerca de 7% do total da população carcerária. Isso significa que essas mulheres são afetadas de forma desproporcional por um sistema concebido para os homens.

Mas poderiam ser as prisões femininas realmente eliminadas dos EUA, onde o encarceramento feminino cresceu 646% nos últimos 30 anos? O contexto é diferente, mas muito dos argumentos continuam os mesmos.

Essencialmente, o motivo de fechar prisões femininas é o mesmo de encarcerar menos homens. É a luta contra o complexo industrial prisional e a favor de tratamentos baseados nas comunidades, que funcionam melhor do que o encarceramento. Mas existem evidências de que a prisão machuca mais as mulheres do que os homens, então por que não começar por lá?

Qualquer análise acerca das mulheres que estão em situação de prisão nos Estados Unidos revela que a maioria delas são infratoras não violentas com pouca educação, assim como pouca experiência de trabalho e múltiplas histórias de abusos sofridos desde a infância até a maioridade. Além disso, em comparação com os homens, é mais comum que as mulheres tenham filhos ou filhas que dependam diretamente do apoio delas – 147 mil crianças estadunidenses têm suas mães em situações de prisão.

Nação-Prisão

Os EUA são uma “Nação-Prisão”, ou seja, uma nação que se baseia no encarceramento. Mais de 1,5 milhão de pessoas estão encarceradas nos EUA. E essa obsessão com punição é também cara para o Estado. Cumulativamente, os estados gastam mais de 52 bilhões de dólares por ano com seu sistema prisional. O governo federal também gasta dezenas de bilhões para policiar, processar e aprisionar pessoas, embora pesquisas demonstrem que o encarceramento traz danos para o bem-estar individual e também não é um fator de melhora para a segurança pública como um todo.

A qual propósito se serve ao submeter as mulheres mais desamparadas, abusadas e não violentas ao ambiente eternamente negativo das prisões?

Women chat as they lie in beds placed in the communal area outside cells, due to overcrowding at the Los Angeles County Women's jail in Lynwood

Esforços de fazer a prisão “funcionar” para as mulheres têm apenas perpetuado o crescimento do complexo industrial prisional. Essas supostas reformas ajudaram alguns indivíduos e possivelmente deram mais destaque para o encarceramento em massa dos pobres e negros, mas mesmo assim o número de pessoas presas continua a aumentar.

Intervenções comunitárias funcionam

Então qual seria a alternativa ao encarceramento feminino no ritmo em que fazemos? No Reino Unido, advogados propuseram serviços comunitários para infratores não violentos, enquanto infratores que usaram violência cumprem pena em pequenos centros de privação de liberdade perto de suas famílias.

Existem algumas evidências de que essas abordagens podem funcionar também nos EUA. Oportunidades para testar as alternativas à prisão têm crescido entre os estados e algumas delas têm demonstrado resultados benéficos para as mulheres que participaram.

Por exemplo, o Projeto Redeploy, financiado pelo estado de Illinois, foi desenvolvido baseando-se na evidência de que os infratores não violentos são tratados de maneira mais eficaz em suas comunidades e, desde seu começo em janeiro de 2011 até o final de 2013, a iniciativa já havia desviado 1.376 infratores não violentos da prisão .

O estado de Oklahoma é atualmente o maior estado com encarceramento feminino per capita nos EUA. Aproximadamente 80% das mulheres presas em Oklahoma cometeram crimes não violentos e estão presas, principalmente, por abuso de drogas, distribuição de substâncias controladas, prostituição e crimes contra o patrimônio.

Um programa que começou há cinco anos, “Women in Recovery” (Mulheres em Recuperação), oferece uma alternativa à prisão para mulheres sentenciadas por crimes ligados ao vício em bebidas ou drogas. O programa possui um amplo conjunto de tratamentos e serviços, incluindo serviços de empregabilidade, moradia e volta aos laços familiares. Mães de crianças pequenas têm prioridade para serem admitidas no programa. As mulheres que terminam o programa, que dura cerca de 18 meses, possuem uma grande chance de sucesso depois do término de cumprimento de pena, não voltando a se envolver com a justiça.

A coordenadora do programa “Women in Recovery” disse que 68% das mulheres que completaram o programa desde o início, em 2009, não reincidiram.

Começando com mulheres

Mesmo que aprendamos sobre os programas para mulheres que têm potencial para serem alternativa à prisão, estamos mesmo preparados para fechá-las? Se enxergarmos o abolicionismo como um esforço dos cidadãos e acreditarmos que mulheres deveriam poder ter prioridade para recuperação e cura, essas medidas devem ser pensadas sob uma perspectiva feminista.

Precisamos compreender o mal intrínseco ao sistema prisional atual e explorar as alternativas que já existem. Por exemplo, Susan Burton, fundadora do “A New Way to Life” (Uma Nova Forma de Vida), um grupo de casas temporárias para mulheres egressas de prisões em Los Angeles, diz que uma perspectiva abolicionista transforma a vida delas. A assistência direta desse programa reconecta as mulheres com suas famílias, comunidades e cidadania. Processos de círculos restaurativos usados por comunidades indígenas nos Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia dão as bases para essas práticas.

Vanessa Moreno, 24, holds her two-month-old baby Makayla at Prototypes residential treatment program in Pomona

A produção sistemática de encarceramento em massa não é resolvida simplesmente ajudando mulheres que sofrem ou que causam problemas individualmente. Outro passo para o abolicionismo exige que a discussão seja levada além dos indivíduos e comunidades diretamente prejudicados, controlados e apagados pelo complexo de prisão industrial para o público que tem aceitado isso de forma passiva. Ou seja, precisamos parar de ver a prisão como uma parte inevitável da vida.

Outro modo

Se nós não podemos fechar as prisões femininas, nós podemos, no mínimo, diminuir a sua expansão. Esforços para isolar as mulheres de suas comunidades devem ser identificados e combatidos.

Em Denver, por exemplo, a campanha “Fail the Jail” (“Falhar a Prisão” – tradução livre) ajudou a derrotar a adição de novas camas nas celas. Ao invés disso, o diretor do projeto de ressocialização comunitário do Estado me contou que algumas alternativas têm ajudado individualmente as mulheres e mudado atitudes da comunidade.

A questão do fechamento das prisões femininas está sendo desenvolvida mediante experiências de mulheres que já foram encarceradas e de ativistas que reconhecem que as mulheres, que são mães e fundamentais para o desenvolvimento das comunidades, podem encontrar um novo caminho se forem respeitadas e apoiadas. É possível imaginar um futuro sem mulheres presas; mas para isso será necessária uma grande mudança de pensamento.

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Fonte: Patricia O’Brien – Professora Associada da Faculdade de Serviço Social Jane Addams da Universidade de Illinois em Chicago

Fotos: Lucy Nicholson/Reuters

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jan 19, 2015 | Sem categoria | 0 Comentários

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