Pelo fim completo e imediato da revista vexatória no Brasil

A entrevista a seguir compõe o boletim número 9, Discriminação de Gênero no Sistema Penal, da Rede Justiça Criminal. Para acessar todos os textos na íntegra clique aqui.

Raquel da Cruz Lima29 Jessica Carvalho Morris30

Há pouco mais de 2 anos, a Rede de Justiça Criminal lançava a campanha pelo Fim da Revista Vexatória31, dando mais um passo na mobilização que começara pelo menos dez anos antes, com as primeiras iniciativas do Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas no sentido de provocar o Ministério Público de São Paulo para que instaurasse um inquérito civil para investigar o procedimento que obrigava crianças e adolescentes a se desnudarem e terem os corpos inspecionados por ocasião das visitas a seus pais presos. Desde então, a mobilização conjunta da sociedade teve um papel importante para promover avanços institucionais, como a sanção de leis estaduais que proíbem a prática em São Paulo e no Rio de Janeiro. Mas em que medida avançamos para garantir que na prática milhares de mulheres não tenham que passar semanalmente por essa violência?

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Foto: Padre Valdir

Em São Paulo, estado com a maior população prisional do país, a proibição à revista foi determinada em 2014 pela Lei Nº 15.552, mas ainda assim ela é prática corriqueira nas unidades prisionais do estado. É o que relata uma mulher em situação de prisão entrevistada pelo ITTC em março deste ano:

ITTC: Você sabe como funciona a revista das visitas?

Entrevistada: A minha mãe fala que é horrível. A minha mãe fala que elas fazem de tudo, tem que abaixar.

ITTC: Como você se sente?

Entrevistada: Eu me sinto humilhada, um lixo. Porque minha mãe não precisava disso, nem ela nem meu pai. No entanto, meu irmão mais velho faz 20 dias que não vem me ver porque [ele] não aguenta, é um impacto para ele muito forte. Ele não consegue, minha mãe fala que ele não consegue.

“Eu me sinto humilhada, um lixo”.

Um dos argumentos de gestores do sistema prisional e o posicionamento oficial da maioria dos estados da federação em que a revista continua acontecendo é de que a revista é necessária para evitar a entrada de drogas, celulares e objetos perigosos. Há muito tempo, porém, a Rede Justiça Criminal constatou que esse argumento é falacioso, pois conseguimos demonstrar a partir de pesquisa empírica que, entre as milhares de visitas que acontecem a cada final de semana, é absolutamente ínfima a quantidade de pessoas flagradas portando itens proibidos ao entrar nas unidades. Em São Paulo, das aproximadamente 3,5 milhões de revistas vexatórias realizadas em 2012, em apenas 0,02% dos casos se apreendeu drogas ou celulares com visitantes.

É preciso atentar, contudo, que a revista vexatória não pode ser reduzida a uma discussão sobre eficácia e que a sociedade civil não pode aceitar se limitar a argumentos utilitaristas. Tanto a ONU32 quanto a OEA33 já apontaram que a imposição do desnudamento e as revistas invasivas podem configurar tortura em função de seus efeitos. E é aí que está o ponto-chave: sendo absoluta a proibição internacional à tortura, a proibição da revista vexatória não pode estar sujeita a juízos de conveniência e casuísmos. A maneira como viola os direitos mais básicos de um ser humano, como a dignidade e a integridade física, é tão profunda que faz com que seja inadmissível tentar justificá-la.

Já passou da hora de proibir em todo território brasileiro essa prática tão odiosa. O consenso em torno dessa pauta tem unido organizações de direitos humanos, familiares de pessoas presas, defensores públicos, promotores e agentes penitenciários, como ficou demonstrado na audiência publicada realizada na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados em novembro de 2015. Mesmo assim, o trâmite do Projeto de Lei 7.764/2014 continua emperrado, nas mãos do Deputado João Campos, que há mais de um ano negligencia a apresentação do seu relatório.

Em apenas 0,02% dos casos se apreendeu drogas ou celulares com visitantes.

Mais do que nunca o Congresso Nacional se revela hostil às agendas de direitos humanos, sobretudo no que se refere aos direitos das mulheres e ao reconhecimento da violência de gênero. É por isso que a sociedade civil deve seguir intensamente mobilizada e não arrefecer enquanto houver uma única pessoa privada de liberdade que tenha seu direito à convivência familiar condicionado ao estupro institucional, que é o que a revista vexatória verdadeiramente significa.

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29. Coordenadora do Programa Justiça Sem Muros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania.

30. Diretora Executiva da Conectas Direitos Humanos.

31. Sobre o histórico dessa mobilização, ver CERNEKA, H; DA CRUZ LIMA, R DRIGO, S. Luta por direitos: a longa mobilização pelo fim da revista vexatória no Brasil. Boletim IBCCRIM, v. 261, p. 10-11, 2014. Disponível em: http://migre.me/vlBMW

32. Como manifestou o Relator Especial sobre a Tortura, Sr. Juan Mendes, durante a 25ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos em 2014.

33. Sobre isso, ver a decisão da Comissão Interamericana no Caso Nº 10.506 de 1996, e da Corte Interamericana, no Caso Penal Miguel Castro Castro x Peru, de 2006.

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maio 23, 2017 | Artigos | 0 Comentários

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