Racionamento seletivo

Por Mariana Amaral

No ano de 2013, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP) entrou com uma Ação Civil Pública contra a Fazenda do Estado, demandando que o Governo fosse obrigado a fornecer água em quantidade suficiente ao Centro de Detenção Provisória (CDP) da Praia Grande. O CDP, que possui capacidade para 512 detentos, abrigava 1.622 na época da ação, sem contar o número de familiares, amigos e amigas que comparecem para visitação nos finais de semana. A tutela antecipada ao pedido foi concedida, mas a ação, em primeira instância, foi julgada improcedente. Em setembro do ano passado, o recurso interposto pela DPE-SP foi negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

De acordo com a Defensoria, o CDP sofre com racionamento de água desde 2011. Em 2013, constatou-se que o problema persistia, comprometendo a saúde e a higiene pessoal dos presos, que, durante a noite, sofriam um corte total do abastecimento. A ação civil buscou pressionar o Estado para mudar essa situação, porém ela foi julgada improcedente tanto na primeira quanto na segunda instância.

Infelizmente, essa situação não é restrita somente ao CDP da Praia Grande. A falta de água afeta diversos estabelecimentos prisionais que, em sua maioria, já estão superlotados.  É comum ouvir relatos sobre presídios onde, usando a justificativa da crise hídrica enfrentada, as  administrações das penitenciárias fornecem às pessoas em cumprimento de pena apenas um balde de água por dia para usar em todas as suas necessidades. Ou, ainda, que precisam comer o jantar nos pratos sujos do almoço, já que não há como lavá-los.

Fica claro que o Estado, ao fornecer água em quantidade ínfima, não cumpre seu papel de garantidor das necessidades básicas humanas, nem cumpre com direitos garantidos tanto por lei quanto por documentos internacionais.

O que mais chama a atenção na decisão do Tribunal de Justiça, porém, é que um dos argumentos utilizados é o fato de que as pessoas em cumprimento de pena não teriam prioridade o suficiente para receber mais água durante uma crise hídrica. Para os desembargadores,

“(…) os detentos são os que menos podem exigir [o justo fornecimento de água], pois já mostraram inaptabilidade à vida em sociedade. Se não cumpriram suas obrigações sociais, não atenderam aos deveres que a todos são impostos, não podem ser os primeiros a gozar dos direitos que essa mesma sociedade conquistou e garante é preciso que os órgãos, especialmente os públicos, de defesa da população em geral, tenham mais preocupação com aqueles que respeitam as leis e a convivência harmônica na sociedade que com aqueles que apenas infringem as regras sociais e tornam a vida dos honestos e cumpridores de seus deveres mais difícil.”

Isso mostra o quanto, em sua maioria, nosso Judiciário é conservador e chega até a considerar pessoas presas como “menos humanas” do que outras, não merecendo ter seus direitos básicos garantidos. É evidente também que o Estado lida com a crise hídrica de maneira parcial, fazendo um claro recorte de raça e classe neste caso. Não é por acaso que a população prisional, formada majoritariamente por pessoas pobres, periféricas e negras, seja sempre jogada de escanteio, sem ter seus direitos fundamentais protegidos.

 

Para saber mais sobre o processo:

Nº: 3000250-55.2013.8.26.0477

3ªCâmara de Direito Público

Desembargador relator: José Luiz Gavião de Almeida

 

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jun 28, 2016 | Artigos | 0 Comentários

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