‘Se eu pedir paz vocês mandam bala, então eu peço compaixão’*

Por Juliana Avila Gritti

O sexto e último ConverSarau da campanha “Encarceramento em massa é justiça?” aconteceu no Sesc 24 de Maio na última quarta-feira, 05 de setembro, e abordou a relação entre política de drogas e sistema carcerário. As convidadas foram a pesquisadora Ana Clara Telles e a socióloga Nathália Oliveira, e a mediação do evento ficou por conta de Jéssica Souto, produtora audiovisual e militante dos Direitos Humanos.

Ana Clara abriu a conversa contando um pouco da história do Movimentos, grupo do qual participa e que discute a questão das políticas de drogas pela perspectiva da juventude periférica. Ela colocou em pauta a Lei de Drogas de 2006, que, no seu aspecto positivo, despenalizou o porte, mas, por outro lado, aumentou a pena mínima para o tráfico, medida que ajudou a inchar significativamente o sistema penitenciário na última década.

Outra problemática apontada por Ana diz respeito às associações indevidas estabelecidas por policiais no momento da abordagem, nas quais pequenas quantidades de droga são comumente classificadas como mercadoria para o tráfico. A pesquisadora mencionou inclusive casos de flagrante forjado, citando como exemplo o de Rafael Braga.

A socióloga também pontuou a diferença entre os vários modelos existentes para lidar com a questão dos entorpecentes, muito além do binário “proibição/legalização”. Segundo ela, “defender o proibicionismo é colocar as drogas nas mãos da moralidade de um mercado ilegal”.

Jessica, representando o lado artístico do evento, recitou um texto de MC Martina, membra do coletivo Poetas Favelados, intitulado “Desabafo*”:

Não quero falar de guerra, mas é isso que me cerca. Quase não fui estudar ontem porque não dava pra andar pela favela.
Foi dito que era pela paz há oito anos atrás, e hoje me pego lendo o post de um menino doce, com medo, receio e agonia, chorando no colo da sua mãe dizendo ‘’por favor, me salva dessa covardia’’.
Moradores agoniados, comércios fechados e pracinhas vazias, casas metralhadas como se fosse tiro ao alvo, é sério, como eu posso dar bom dia?
Faz silêncio na favela, mas a trilha sonora ainda é de tiro. Se eu pedir paz vocês mandam bala, então eu peço compaixão. Compaixão pro moleque que foi ali rapidinho comprar o pão, pra tia que tá indo trabalhar porque é mãe solteira, e pra menorzada que tá doida pra voltar a estudar segunda-feira.
Se ainda não for suficiente, pouco a pouco vão morrendo cada vez mais gente. E aí, o que será dos nossos descendentes?
Não quero ser mais um sobrevivente a morrer nessa guerra de inconsequentes, que mata em sua maioria inocentes e trata os favelados como indigente.
E agora já era: o clima de insegurança se instalou na nossa mente.

Nathália Oliveira, da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, deu continuidade ao debate lembrando o público de que discurso é uma forma de poder e, portanto, os conhecimentos sobre maconha e outras substâncias psicoativas têm de ser disseminados para a população de maneira clara e eficiente. A socióloga afirmou que “a política de drogas mais causa danos do que combate danos”, e estes são irreparáveis e perigosos para a democracia.

Partindo da premissa de que a questão das drogas está diretamente relacionada a uma estrutura racista, Nathália defendeu que o país precisa assumir uma postura de mea culpa em relação ao passado escravocrata e ao presente ainda fortemente marcado por privilégios. Para ela, é preciso pensar no futuro e nas reparações que precisam ser feitas para garantir a igualdade racial, entre elas, uma nova política de drogas.

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set 13, 2018 | Noticias | 0 Comentários

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