Próximo de completar 24 anos do Massacre do Carandiru, a mais emblemática chacina ocorrida dentro de uma prisão, o Poder Judiciário paulista escancara sua perversidade ao consentir com o extermínio de pessoas pobres e negras.
Nesta terça-feira, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo anulou os julgamentos que condenavam policiais militares pelo massacre do Carandiru, em que 111 presidiários foram assassinados. Michael Mary Nolan, presidenta do ITTC, esteve presente durante o massacre como uma das representantes da Comissão Arquidiocesana da Pastoral de Direitos Humanos e Marginalizados. Segundo ela, ontem foi um dia de grande luto e tristeza para defensores e defensoras de direitos humanos. “Não somente por ter estado presente durante toda a rebelião, participado em várias negociações e ter um sentido claro de que o que aconteceu foi realmente um massacre, o que mais me preocupa agora é a mensagem que, ao meu ver, o Tribunal de Justiça de São Paulo está dando, de que a polícia pode matar.”
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, considerado por muitos juristas como um dos mais conservadores principalmente em matéria penal, expõe o desprezo que muitos Desembargadores detêm sobre os alvos do encarceramento em massa e todas as mazelas que disso decorrem. Se o estado de São Paulo ostenta o maior contingente populacional do país é, dentre outros fatores, porque temos uma polícia militar e um aparato burocrático judicial que atua mirando o controle e extermínio dos considerados “perigosos”, cuja identificação se baseia em pressupostos racistas e classistas.
Interessante notar como opera a seletividade penal a partir desse caso: o mesmo Tribunal de Justiça responsável por condenar e encarcerar em massa reluta em reconhecer a responsabilidade dos policiais militares e demais agentes públicos envolvidos no Massacre do Carandiru.
A conivência com a ação fatal de policiais militares e toda a burocracia envolvida no Massacre não se inicia com essa decisão recente. A absolvição do Coronel Ubiratan sob o argumento jurídico de ter agido no estrito cumprimento de dever legal desencadeou um efeito cascata dessa cumplicidade com o Massacre. O Desembargador Ivan Sartori inclusive mencionou expressamente isso em trecho de seu voto pela absolvição dos policiais militares: “se reconhecido que o superior hierárquico agiu nessas condições, que dirá seus subordinados”.
É comum a afirmação de que as políticas públicas destinadas a essa parcela da população se resumem em “cadeia ou caixão”. Nesse sentido, o voto de um Desembargador baseado no argumento de que um massacre de 111 homens desarmados e sob a responsabilidade Estado foi legítima defesa, expõe com clareza o papel do Poder Judiciário na construção de uma política de extermínio de jovens negros e pobres.