O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania inicia hoje o ITTC Explica, uma série de textos cujo objetivo é explicar conceitos e esclarecer dúvidas comuns relacionadas aos temas trabalhados pela organização. Os textos serão publicados no blog todas as segundas, quartas e sextas-feiras e, partindo das experiências do ITTC em seus vinte anos de atuação, responderão perguntas muito recorrentes como “o que são audiências de custódia?”, “quais são as possíveis políticas de drogas?” e “qual é a diferença entre indulto e saída temporária?”.
O primeiro texto busca esclarecer por que o encarceramento feminino tem crescido tanto nos últimos anos.
O número de mulheres presas aumentou porque elas estão cometendo mais crimes?
Entre os anos de 2000 e 2014, o encarceramento feminino aumentou 503%. Esse número, no entanto, não quer dizer que cresceu em mais de 500% o cometimento de crimes, mas sim que cresceu a criminalização das mulheres. Para entender essa afirmação é preciso ressaltar primeiro que, de acordo com o Infopen Mulheres, 68% das mulheres estão presas por tráfico de drogas.
A atual Lei de Drogas no Brasil entrou em vigor em 2006. Sua aprovação trouxe mudanças na concepção da política de drogas, mantendo a diferenciação (por meio de critérios subjetivos da polícia e do Poder Judiciário) entre pessoas “usuárias” e “traficantes”, prevendo o não encarceramento das consideradas usuárias. Ao mesmo tempo, essa lei endureceu a criminalização do tráfico, aumentando as penas para tráfico de drogas e associação ao crime organizado, criando obstáculos para o acesso aos benefícios na execução penal (como a progressão de regime). A intensificação da repressão policial às pessoas consideradas traficantes combinada com o aumento da pena para o tráfico e o endurecimento do regime de cumprimento da pena tem levado ao aumento exponencial de mulheres nas prisões.
Quem são essas mulheres?
A grande maioria das mulheres encarceradas é mãe, não possui antecedentes criminais, era a principal provedora do lar – e muitas vezes continua sendo depois da prisão –, possui baixa escolaridade e tem dificuldade de acesso a empregos formais. Muitas se ocupam das pequenas atividades no comércio de drogas, como embalar, guardar drogas ou ter uma “lojinha”.
O ITTC também trabalha com o conceito da tripla punição da mulher, considerando que, por exemplo, antes até de ser presa, ela já enfrenta uma assimetria nas relações de trabalho, como a parcela mais frágil. Nessa circunstância, ela pode pagar com a vida e com a liberdade por trabalhar no varejo de substâncias consideradas ilícitas.
No momento da prisão, existe uma diferença no tratamento de mulheres e homens. Enquanto homens sofrem mais violência física, as agressões verbais sofridas pelas mulheres quase sempre têm a ver com o fato de serem mulheres e não raramente terminam em estupros.
Já dentro da prisão, elas possuem menos oportunidades de trabalho, educação, lazer e atendimento à saúde. Ainda, o acesso a direitos é mais limitado, como, por exemplo, o indulto. Entre 2010 e 2014, 6 510 homens receberam o indulto natalino no Estado de São Paulo, enquanto apenas 142 mulheres tiveram esse direito no mesmo período.
Por serem primárias, essas mulheres deveriam, no mínimo, ser condenadas a penas muito menores. O tráfico de drogas cometido por pessoa sem antecedentes criminais e que não pertence a organizações criminosas, chamado de tráfico privilegiado, era considerado crime hediondo até recentemente. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal de afastar a hediondez do tráfico privilegiado, muitas mulheres presas terão menos obstáculos para progredir de regime e mesmo conseguir o indulto.
Leia também: Infográfico Mulheres e Tráfico de Drogas
O tema do próximo artigo da série ITTC Explica será “O uso de drogas ainda é crime no Brasil?”.