Publicado indulto e comutação de penas para mulheres: um passo importante para o desencarceramento feminino

Foi publicado no diário oficial de hoje, dia 13 de abril de 2017, a concessão de indulto e comutação de pena para as mulheres presas. Trata-se de reconhecimento das especificidades de gênero, historicamente desconsideradas, uma vez que o indulto não é aplicado ao tráfico de drogas, o que afeta majoritariamente mulheres, já que 68% são presas por este crime frente a 25% dos homens.

O indulto nada mais é do que o perdão da pena concedido por decreto presidencial, extinguindo a punição, por determinado fato, de alguém condenado definitivamente. Trata-se de direito garantido coletivamente aos que preenchem seus requisitos, mas a concessão não é automática e passa pelo crivo dos juízes e juízas da execução criminal.

 Apesar das restrições trazidas, como ser primária, não estar respondendo a nenhum processo, nem ser condenada por outro crime, e não contar com uma falta grave ao longo do cumprimento da pena, o decreto avança na garantia dos direitos de mulheres, aplicando-se o indulto às:

  • Mulheres mães ou avós de filhos com até 12 anos ou com deficiência condenadas por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça e que tenham cumprido um sexto da pena;
  • Mulheres idosas com no mínimo 60 anos ou jovens com menos de 21 anos condenadas por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça e que tenham cumprido um sexto da pena;
  • Mulheres com deficiência condenadas por crime praticado sem violência ou grave ameaça, independentemente do tempo de cumprimento de pena;
  • Mulheres gestantes condenadas com gravidez de alto risco comprovada por laudo médico judicial, independentemente do tempo de cumprimento de pena ;
  • Mulheres condenadas por tráfico privilegiado à pena de até 8 anos e que tenham cumprido um sexto da pena;
  • Mulheres primárias condenadas à pena não superior a 8 anos por crime praticado sem violência ou grave ameaça e que tenham cumprido um quarto da pena;
  • Em relação às mulheres reincidentes, a redação do decreto é extremamente confusa. Ser reincidente, impede que os perfis elencados acima tenham direito ao indulto, mas mulheres reincidentes, condenadas por crime praticado sem violência ou grave ameaça a pena não superior a 8 anos que tenham cumprido um terço da pena poderão ser abarcadas.

Abarcar avós, mulheres idosas (considerando o marco de 60 anos previsto no Estatuto do Idoso) e com deficiência, é um avanço no olhar das mulheres presas para além da maternidade. Em relação às mulheres com deficiência e gestantes com gravidez de risco, é significativo que não se exija qualquer fração de cumprimento de pena para o direito. Em relação às mulheres reincidentes, a redação do decreto é extremamente confusa.  Outro passo foi a inclusão da comutação (diminuição) de pena, excluída do último decreto presidencial. Principalmente ao permitir a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, possibilitando o término do cumprimento da pena fora do cárcere.

Contudo, há alguns retrocessos. As exigências da mulher não ser primária, não estar respondendo a processo criminal e não ter falta grave para que esses perfis específicos elencados acima sejam considerados, além de violar o princípio da presunção da inocência, limita o potencial desencarcerador da medida. As faltas disciplinares são mais uma forma de controle das mulheres presas, com uma ampla discricionariedade em sua aplicação. Há relatos de mulheres punidas em razão do choro dos seus bebês, também encarcerados,  pelo julgamento de que elas não estariam sendo “boas mães”. Além disso, como já apontava o decreto presidencial anterior, apenas as mulheres condenadas por tráfico privilegiado (Art. 33 da Lei 11.343/06, pár. 4º, aplicada a mulheres primárias que não integrariam organizações criminosas) poderão ter direito ao indulto.

As mulheres com problemas de saúde e em cumprimento de medida de segurança ficaram de fora do decreto. As migrantes de outros países terão dificuldades em obter a medida já que muitas vezes são condenadas por tráfico internacional de drogas e diversos juízes e juízas pressupõem que a transnacionalidade indica participação em organizações criminosas, o que faz com que a condenação seja superior a 8 anos. Em relação às mulheres gestantes, apesar de prever hipótese específica de indulto para mulheres com gestação de risco no cárcere, limita sua concessão a apresentação de laudo médico emitido por profissional designado pelo juízo competente, ignorando o fato de que toda gravidez em estabelecimentos prisionais é de risco.

Em São Paulo, no ano de 2014, o indulto foi concedido a apenas 65 mulheres, em comparação a  2335 homens. O ITTC e o GET Mulheres Encarceradas têm lutado há anos por um decreto que de fato impacte significativamente para reduzir o encarceramento em massa de mulheres. A plataforma online www.mulheresemprisao.org.br lançada pelo ITTC apresenta como possibilidade de mobilização o envio de e-mail para Presidência da República para que fosse expedido um decreto de concessão de indulto e comutação de penas direcionado às mulheres.

A mobilização social pela visibilização das mulheres aprisionadas e a ampla diversidade de questões de gênero articuladas às desigualdades de raça e classe, tem sido trabalhada há décadas pelo ITTC. A publicação do relatório de pesquisa “MulhereSemPrisão: desafios e possibilidades desafios e possibilidades para reduzir a prisão provisória de mulheres”  constatou um processo de invisibilização das mulheres selecionadas pelo sistema penal cuja principal consequência é a dificuldade em lhes garantir a liberdade como regra. Além disso, as dificuldades de mães, avós, idosas e mulheres com deficiência foram detectadas pela pesquisa, que iniciou uma série de atividades para demonstrar a diversidade no aprisionamento de mulheres e a necessidade de o poder público atentar a essas especificidades para assegurar liberdade.

Para o ITTC, o indulto é um direito das mulheres, e preenchidos os requisitos cabe aos juízes e juízas apenas declararem-no, o que precisará ser acompanhado de perto para ter um impacto concreto no desencarceramento de mulheres. Celebramos a publicação do indulto para mulheres, e reafirmamos nossa luta por MulhereSemPrisão!

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abr 13, 2017 | Artigos | 0 Comentários

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