Para o defensor público Caio Paiva, se a política de drogas do país não mudar, qualquer medida sempre será paliativa, inclusive a audiência de custódia
Por Ana Luiza Voltolini Uwai
O 22º Seminário Internacional de Ciências Criminais foi realizado entre 23 e 26 de agosto em São Paulo. Promovido pelo IBCCRIM, a edição deste ano contou com diversas mesas que tiveram como pauta os desafios de discutir políticas criminais.
O primeiro painel do evento tratou das audiências de custódia e contou com a presença do juiz Luís Geraldo Lanfredi e do defensor público federal Caio Paiva.
As primeiras audiências de custódia foram implementadas em São Paulo em fevereiro de 2015. Num contexto de crise do sistema penitenciário, as audiências seriam uma forma de desafogar os presídios superlotados do Brasil. De acordo com Lanfredi, os juízes seriam “os protagonistas do cenário de caos e da decisão da crise penitenciária”, e portanto, deveriam ser os primeiros a impedir o encarceramento em massa.
Uma das causas dessa crise apontada pelo juiz é o senso comum, que numa “sociedade do ódio e da intolerância” naturaliza a prisão como algo necessário à resolução dos problemas sociais. O que segundo Lanfredi “não é verdade”, já que existem diversas violações de direitos intrínsecas ao cárcere.
Nesse sentido, Caio Paiva deu início à sua fala com o seguinte questionamento: ‘É possível processar e prender alguém respeitando os direitos humanos?
Em um relato de quando era defensor público em Manaus, antes da existência das audiências de custódia do estado do Amazonas, Caio contou que se deparou com algumas pessoas que “se o juiz visse, até ajudaria na defesa”. Por essa razão, começou a incluir fotos das pessoas nos processos.
No entanto, ainda assim, é possível que o cenário de prisão preventiva como regra não tenha mudado após as audiências. O perfil dos juízes, principalmente os que atuam na área criminal, não foge do padrão do senso comum.
Para o defensor público, mesmo depois da implementação das audiências de custódia, “a ‘cabeça’ do juiz não mudou”, pois naquele primeiro momento de encontro, ele já tem sua decisão pronta. Decisão essa que, de acordo com Lanfredi, é quase sempre unicamente baseada na fala do delegado.
Essa é uma conclusão compartilhada pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, a partir de pesquisa “Audiências de custódia: objetivos e realidades”, realizada no final de 2015 (no prelo para publicação). Depois da observação de 102 audiências de custódia, o que a equipe de pesquisa verificou foi que, na esmagadora maioria dos casos, a decisão sobre manter a pessoa em liberdade ou mandá-la para a prisão já estava tomada antes mesmo de a pessoa ingressar na sala de audiência, tendo como base o tipo penal supostamente infringido e algumas informações pessoais fornecidas pela polícia (residência, trabalho e existência de outros inquéritos policiais em andamento).
Tráfico de drogas nas Audiências de Custódia
Outro senso comum que atinge os juízes é a questão das drogas. Segundo o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen 2014), o tráfico de drogas é motivo para 28% das condenações. Entre as mulheres o número é ainda mais alarmante: 64%.
Como defensor público atuante em Guarulhos, grande parte dos casos acompanhados por Caio Paiva é o tráfico internacional de drogas. Esse também é o principal motivo do encarceramento das mulheres migrantes atendidas pelo Projeto Estrangeiras, do ITTC, como é o caso das “mulas” de drogas.
Nesses casos, de acordo com o defensor público, “não importa a história de vida, se é mulher, se está grávida, se tem filhos. Nada importa se o crime é tráfico de drogas”. Para ele, se a política de drogas do país não mudar, qualquer medida sempre será paliativa, inclusive a audiência de custódia.