Letalidade policial, superpopulação carcerária e tortura são apontados em relatório da Human Rights Watch

Por Ricardo Campello*

Na última quinta-feira (29) foi lançado pela ONG internacional Human Rights Watch o Relatório Mundial 2015, observando os avanços e retrocessos na proteção aos direitos humanos em mais de 90 países durante o ano que passou. Publicado anualmente, o documento encontra-se em sua 25ª edição, reunindo 656 páginas que elencam os principais problemas verificados ao redor do planeta, relacionados à efetivação dos chamados “direitos fundamentais”.

Não à toa, as páginas de abertura da seção dedicada à realidade brasileira referem-se a “Segurança Pública e Conduta Policial” e “Condições das Prisões, Tortura e Maus-Tratos a Detentos”. Cumpre acompanhar os seus tristes destaques.

No que diz respeito ao primeiro item, o Relatório afirma que “a polícia foi responsável por 436 mortes no estado do Rio de Janeiro e 505 mortes no estado de São Paulo, nos primeiros nove meses de 2014”, indicando, somente em São Paulo, um aumento de 93 por cento nas execuções policiais em relação ao mesmo período de 2013. Execuções estas que são regularmente registradas como resultantes de confrontos com criminosos.

O texto menciona dados compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública que apontam uma média de 6 pessoas mortas por dia em operações policiais durante o ano de 2013. A conclamada defesa da Segurança Pública revela seus aspectos sanguinários, desnudando a face policial do atual Estado de Direito.

Na sequência, destacam-se as deploráveis condições das unidades prisionais do país e a recorrência de práticas de tortura em cárceres e delegacias de polícia. Superlotação e violência estatal dão o tom da seção sobre “Condições das Prisões, Tortura e Maus-Tratos a Detentos”.

Conforme aponta a HRW, com base nos dados do sistema InfoPen, a taxa de encarceramento do país subiu 45 por cento entre 2006 e 2013. “A população carcerária adulta supera meio milhão de pessoas – 37 por cento além da capacidade do sistema prisional”. Além disso, mais de 20.000 jovens encontram-se trancados nas chamadas unidades de medida socioeducativa, espelhadas no modelo prisional adulto.

Aos que acreditam que a tortura foi erradicada, ou se tornou irrisória, com o suposto avanço democrático brasileiro, o texto desvela o cenário da segunda década do século XXI no país, caracterizando a tortura como um “problema crônico em delegacias de polícia e centros de detenção”. A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu, entre janeiro de 2012 e junho de 2014, 5.431 denúncias de tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante (cerca de 181 denúncias por mês).

“Um total de 84 por cento dessas denúncias se referiam a abusos em presídios, cadeias públicas, delegacias de polícia, delegacias que operam como unidades prisionais e unidades de medida socioeducativa”.

O Relatório menciona as rebeliões ocorridas no complexo prisional de Pedrinhas, no Maranhão, em dezembro de 2013, no qual detentos foram decapitados e seus corpos mutilados foram expostos em um vídeo que escancarou a situação calamitosa do sistema prisional daquele estado.

Todavia, o episódio de Pedrinhas não constitui uma novidade na história recente das prisões ao redor do país. Apesar dos esforços por parte do Estado em soterrar uma realidade supostamente relegada ao passado, o terror produzido pela máquina penal brasileira – movida por uma mecânica de encarceramento frenético das populações consideradas desajustadas – frequentemente volta a bater às portas da sociedade.

Em linhas gerais, o documento destaca a impunidade relativa às violências do passado – dos abusos cometidos durante a ditadura civil-militar aos mais recentes massacres e execuções policiais – como um dos fatores que motivam a continuidade dos derramamentos de sangue.

O Relatório Mundial 2015 afirma em tom de celebração que “em uma notável exceção” foram condenados 73 policiais pelos homicídios cometidos durante o massacre do Carandiru. Entretanto, sabe-se que os principais comandantes da operação que assassinou no mínimo 111 presos da Casa de Detenção de São Paulo não foram acessados pelos tribunais. Ademais, seria a prisão solução pertinente para uma carnificina gerada pela própria prisão?

Nesse sentido, reconhecendo a importância da divulgação dos resultados do trabalho da HRW, vale colocar em dúvida a pertinência da ideia de “impunidade” em um dos países que mais prendem pessoas em todo o mundo. Que impunidade é essa, vociferada repetidamente nos jornais e análises sobre a segurança pública e a justiça criminal no país? Seria a punição uma forma desejável de se combater uma lógica precisamente… punitiva?

Clique aqui para acessar o relatório completo ou aqui para a apresentação do recorte brasileiro (em português).

Ricardo Campello é mestre e bacharel em Ciências Sociais pela PUC-SP, pesquisador do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e autor do livro Política, direitos e novos controles punitivos: o monitoramento eletrônico de presos.

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fev 5, 2015 | Sem categoria | 0 Comentários

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