| Nossos Vínculos é uma série de conteúdos multiformatos que revelam o que não é numerável das vidas em conflito com a lei. O lúdico, os laços, as cores, a liberdade. O universo todo de alguém. |
Por Marcella Ferreira, do Programa Mulheres Migrantes (PMM)
A primeira que viu o dinossauro foi a mãe. Look a dinosaur! [Olhe, um dinossauro!]
A exclamação da mãe fez a filha olhar imediatamente para o enorme dinossauro que se encontrava do lado de fora do carro. Para a surpresa de ambas, era ali mesmo que iríamos descer, em frente ao parque dos dinossauros. Uma grade de ferro nos separava deles, ainda eram 9h30 da manhã, de uma terça-feira, provavelmente o parque só abriria aos finais de semana. Mas olhar o dinossauro do lado de cá da grade, já foi um acontecimento.
A mãe tirava fotos da placa do horário de funcionamento do parque, enquanto pensava em voz alta: They won’t be able to know I’m here in time to come and arrest me. By the time they arrived, I was already back home [Eles não vão conseguir saber que eu estou aqui a tempo de vir e me prender. Quando eles chegarem, eu já estarei em casa]. Falava isso apontando pra tornozeleira eletrônica que traz em seu tornozelo.
Estávamos ali para tirar o RG da menina, seu documento brasileiro. Eu fui até a casa delas buscá-las, para que fossemos juntas ao Poupatempo. Quando cheguei lá, a menina quis me mostrar a casa onde morava. You are the first visitor we have received in our home! [Você é a primeira visita na nossa casa!] Subiu correndo as escadas e foi tratando de me mostrar todos os cômodos. Beautiful house [Linda casa] que elas dividem uma com a outra! Dividem a casa e um anel prateado em formato de estrela, que as duas usam no mesmo dedo.
Quando sugeri de agendarmos a retirada do documento no Poupatempo Canindé, o único critério pensado por mim foi a distância da casa das duas, esse é o Poupatempo mais perto. Mas a vida tem seus mistérios, e calhou desse Poupatempo ser dentro de um shopping, cheio de dinossauros. Parece que a temática de toda a parte de brinquedos e jogos do shopping é dinossauros. Dinosaurs everywhere! [Dinosauros por todo lado!]
A mãe falava com brilho nos olhos: It’s the first time she’s seen one of these [É a primeira vez que ela vê um desse], se referindo a todos os brinquedos pelos quais passávamos. A menina queria entrar em todos, queria brincar com tudo. Mas como já disse, era uma terça-feira de manhã, e o parque não estava exatamente aberto ainda. Só tínhamos acesso há alguns brinquedos que ficavam na área externa da parte de jogos.
Fomos em direção ao Poupatempo. Subimos até o terceiro andar através de um elevador panorâmico, que causou espanto e encanto na menina. Era também sua primeira vez. E só é a primeira vez uma vez!
“Era também sua primeira vez. E só é a primeira vez uma vez!”
Quando contei que tirariam uma foto da menina ali, a mãe se preocupou, pois o rosto da pequena estava com um bigode de suco, que devia ser do café da manhã. Me ofereci para pegar um pouco de água para podermos limpar o rosto da menina, mas a mãe se antecipou: mommy way [jeito de mãe]! Lambeu o próprio dedo e usou sua saliva pra limpar o rosto da filha. A foto do documento ficou a coisa mais linda. Uma menininha tão linda. A mãe, quando viu a foto na tela do computador, quase não conseguiu se conter: PERFECT [Perfeito]! Pela emoção, parecia que estava vendo um baby dinosaur [bebê dinossauro]!
Na hora de ir embora, descemos novamente pelo elevador panorâmico, e agora com um pouco mais de tempo, pudemos chegar mais perto dos brinquedos e jogos. O carro de autorama e o brinquedo que simulava uma moto chamaram a atenção da menina, que quis subir e brincar que estava brincando. Mas o que continuou ganhando disparado sua atenção foram os dinosaurs. Um deles em especial, parecia feito exclusivamente para tirar fotos. É uma cabeça de dinossauro enorme, com a boca aberta. Pela parte de trás, a criança consegue subir alguns degraus e se posicionar dentro da boca do dinossauro. A menina foi para trás do dinossauro, mas ficou com medo: he will close his mouth [ele vai fechar a boca]! A mãe, com o celular a postos para registrar o momento da filha, afirmou que ele não fecharia a boca. Mas nada convenceu a menina a ir pra dentro da boca do dinossauro. Nada não! Uma coisa a convenceu. A mãe largou o celular e a pasta de documentos na minha mão, e foi pra trás da cabeça do dinossauro encontrar a filha. E juntas elas entraram dentro da boca do dinossauro e sorriram pra foto.
Elas dividem a casa, um anel prateado em formato de estrela, as primeiras vezes, a prisão domiciliar e a coragem de entrarem dentro da boca do dinossauro, se estiverem juntas.




