O (não) voto dos presos provisórios e o sufrágio universal mascarado

Constituição afirma que os direitos políticos são suspensos depois de publicada a sentença condenatória, definitiva. Os presos provisórios são aqueles que ainda não receberam uma sentença e que, em afronta direta ao princípio da presunção de inocência, aguardam pelo seu julgamento presos.

Ora, uma conclusão óbvia seria afirmar que o direito político do preso provisório é resguardado pela Constituição e que não existem justificativas legais que o impeçam de votar. Errado! No domingo, apenas 1,31% da grande massa de presos provisórios do Estado de São Paulo exerceu seu direito de cidadão.

Dos 90 mil cidadãos provisoriamente presos no Estado, apenas 1.182 homens adultos e 78 mulheres terão acesso à urnas instaladas dentro de 12 das 140 unidades prisionais existentes. Esse número consegue ser menor do que o das eleições de 2012, quando 2% dos presos provisórios tiveram acesso às urnas, e de 2010, quando esse número era de 3,52%.

Mas por que, ao invés de melhorar, estamos piorando? São Paulo está na contramão de outros Estados como Roraima e Bahia, onde os respectivos Tribunais Regionais Eleitorais aprimoraram suas resoluções a fim de derrubar alguns obstáculos estruturais que distanciavam a pessoa presa do sufrágio, supostamente, universal. Em 2014, 70% da população feminina provisoriamente presa em Roraima e 32% dos baianos votarão, e isso se deu porque o documento de identidade e a carteira de alistamento militar foram dispensados. Nesses Estados, basta apresentar a ficha de identificação interna para que os presos provisórios possam votar. Essa simples medida gera um impacto considerável porque a maioria das pessoas presas perdeu ou teve seus documentos destruídos, pelas polícias, no momento da captura.

O Estado de São Paulo justifica que o insignificante número de pessoas aptas a votar deriva da falta de interesse, comprovada através de uma consulta prévia realizada dentro das unidades prisionais. Surpreendentemente, os números encontrados pelo Estado são radicalmente contrários à estatística apresentada pela Defensoria que, por sua vez, fez a mesma consulta. De acordo com a DPE, mais de 70% dos presos provisórios queriam votar neste domingo, enquanto o Estado afirmou que esse número não chegou nem a 5.000 pessoas.

Algumas unidades foram também excluídas com base em critérios obscuros como um suposto clima de violência interna ou porque não conseguiram bater a meta de 50 eleitores, razões que, obviamente, não encontram respaldo na Constituição Federal.

Resta claro que temos uma população de presos provisórios em constante crescimento, com cada vez menos cidadania. O motivo é claro: Eles não representam um dividendo político, além de não serem reconhecidos como verdadeiros sujeitos de direitos. Se os presos não podem escolher seus representantes dentro de um sistema dito democrático, como passarão a ser considerados alvos de políticas públicas e sociais concretas?

Caso insistamos em manter a suspensão do direito de votar dos presos provisórios (e dos presos em geral), viveremos, eternamente, sob a ótica de um sufrágio cuja universalidade é seletiva, discriminatória e capaz de acentuar a separação entre cidadãos e não cidadãos.

Gabriela Cunha Ferraz é advogada e coordenadora de Advocacy do Projeto Justiça sem Muros do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC, entidade membro da Rede Justiça Criminal

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Fonte: Ponte

Ilustração: Junião/Ponte Jornalismo

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out 6, 2014 | Sem categoria | 0 Comentários

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