Direitos Humanos da população LGBT privada de liberdade é tema de audiência da CIDH

Por Lucia Sestokas

Ocorreu no dia 23 de outubro de 2015 em Washington D.C. a primeira audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a “Situação de direitos humanos das pessoas LGBT privadas de liberdade na América Latina”, concedida à Asociación para Prevención de la Tortura (APT).

Participaram da audiência Jean-Sébastien Blanc, assessor em matéria de detenção da APT; Ari Vera Morales, Presidenta da ONG Almas Cautivas; María Santos, Coordenadora da Unidade de Gênero e Diversidade Sexual da Procuración Penitenciaria de la Nación de Argentina; e Víctor Madrigal-Borloz, ponto focal sobre pessoas LGBT no Subcomitê para a Prevenção da Tortura das Nações Unidas. Veja o vídeo completo aqui

Jean-Sébastien Blanc, assessor em matéria de detenção da APT, iniciou sua fala salientando que situações de homofobia e transfobia se agudizam no contexto de privação de liberdade, deixando a população LGBT em uma situação de vulnerabilidade exacerbada em contextos de detenção, principalmente considerando o alto grau de arbitrariedade e discricionariedade do Estado. Pontuou também que, ainda que o foco seja o sistema penal, esta discriminação ocorre em outros lugares de privação de liberdade, como centros de detenção para pessoas migrantes e hospitais psiquiátricos.

A APT, com ONGs e mecanismos de prevenção da tortura da região, elencaram algumas das principais problemáticas relacionadas à situação da população LGBT em privação de liberdade. Foram destacadas as diversas formas de violência (verbal, psicológica, física e sexual) cometida por agentes do Estado e por detentos/as; a negação arbitrária de visitas íntimas para casais homossexuais; o uso de castigos, que vão desde isolamento até transferências arbitrárias, em razão de demonstrações de afeto entre casais homossexuais, em especial no caso de mulheres lésbicas; e as condições, frequentemente piores, das áreas de segregação para a população LGBT dentro do presídio.

No que toca as alas específicas, usadas como medida protetiva para a população LGBT, Blanc reforçou o risco de criar ambientes de segregação adicional, já que muitas vezes a segregação reflete uma incapacidade do Estado de cumprir com seu dever de proteção. Ainda que não se possa aplicar uma única solução em todos os contextos, foi recomendado que seja levada em consideração, especialmente no caso de mulheres trans, a vontade individual da pessoa homossexual e/ou transexual em relação à transferência para esses espaços.

A APT manifestou ainda preocupação em relação ao caso de violência racista e transfóbica contra Maria Clara de Sena, integrante da equipe do Mecanismo Estadual de Prevenção e o Combate à Tortura de Pernambuco. A violência aconteceu no dia 17 de agosto de 2015 e foi cometida por um agente penitenciário durante visita a presídio de Santa Cruz do Capibaribe.

Maria Clara registrou queixa no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa de Recife, denunciando a atuação do agente, que não só insistiu em tratá-la pelo nome de nascimento, e pelo pronome masculino, mas chegou a chamá-la de “veado, preto, safado”, apontando uma arma para sua cabeça.

Após a visita, o agente, através de um perfil falso, enviou uma mensagem a Maria Clara, dizendo que ela pagaria “as agressões” na Justiça. Na ocasião, o Sindicato dos Agentes e Servidores no Sistema Penitenciário do Estado de Pernambuco divulgou uma nota de repúdio contra agressões a agentes no exercício de suas funções, afirmando que ingressaria com uma ação judicial contra “José Roberval” solicitando a suspensão de sua participação nas visitas, justificando-se com a afirmação de que Maria Clara teria xingado o agente.

Em sua fala, o Secretário Executivo Emílio Alvarez Icaza Longoria pontuou que a população LGBT em conflito com a lei vive múltiplas dimensões da punição, que ultrapassa o âmbito do processo penal. Essa pena adicional se refere a “expressões sociais de castigo” que resultariam na falta de acesso e na violação de direitos em decorrência de casos de homofobia e transfobia.

A Comissária Tracy Robinson, relatora dos direitos das mulheres e das pessoas LGBTI, ressaltou que o confinamento em solitárias é uma forma de punição e não se pode proteger punindo. Deve haver garantias para as visitas íntimas homossexuais assim como políticas públicas específicas de saúde e para as pessoas LGBT egressas do sistema prisional. Os Estados têm a obrigação de coletar dados sobre as especificidades dessa população, assim como devem garantir o acesso a direitos e a não retaliação de pessoas que clamem pelos seus direitos. A Comissária solicitou o fornecimento de dados específicos sobre detenção juvenil e sobre detenção de migrantes LGBT.

As organizações peticionárias formularam recomendações aos Estados e à CIDH para a proteção de pessoas LGBT privadas de liberdade. Na audiência, foi solicitado à CIDH que inste aos Estados:

  • erradicar toda forma de sanção com base na discriminação por orientação sexual e identidade de gênero;
  • proibir a prática de revistas vexatórias e discriminatórias;
  • garantir o direito às visitas íntimas sem discriminação;
  • estabelecer sistemas de coleta de dados que permitam desenvolver políticas públicas adequadas;
  • investigar casos de tortura e maus-tratos para erradicar a impunidade;
  • garantir o acesso a mecanismos de denúncia no contexto de detenção;
  • garantir o acesso à Justiça para a população LGBT;
  • fomentar programas de sensibilização e capacitação das pessoas funcionárias e agentes;
  • garantir a atenção integral à saúde; a eliminar regulamentos discriminatórios;
  • incluir as pessoas trans na decisão de sua transferência para espaços específicos.

Foi solicitado também instar aos Estados que ratifiquem o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura e, no caso dos Estados que já ratificaram, que os mecanismos nacionais de prevenção sejam independentes e que tenham as faculdades e os fundos necessários para cumprir seu mandato.

O ITTC enviou à Relatoria Especial das Nações Unidas sobre Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes um breve documento sobre pessoas LGBT privadas de liberdade e em conflito com a lei no Brasil. Confira o documento clicando aqui.

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nov 4, 2015 | Artigos | 0 Comentários

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