ITTC Analisa: Infopen Mulheres 2016

O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) divulgou neste mês de maio (2018) a 2ª edição do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres. O Infopen é o instrumento oficial de mapeamento do sistema prisional que, a partir de 2014, passou a publicar uma versão específica sobre as mulheres e as unidades onde elas cumprem pena.

Sua publicação é um marco no mapeamento de problemas e desafios da população carcerária feminina, historicamente minoritária e invisibilizada. Seus resultados têm potencial para contribuir com a gestão prisional por parte do Estado, assim como para promover a incidência política da sociedade civil na garantia de direitos das mulheres presas.

Tendo isso em vista, o ITTC reuniu sua equipe multidisciplinar de pesquisadoras para fazer uma análise da 2ª edição, correspondente aos dados levantados entre os anos de 2015 e 2016, e iniciou apresentando uma visão geral a respeito do Relatório e de sua metodologia.

Nas próximas publicações, a equipe pretende aprofundar uma série de aspectos e temas nos quais o ITTC atua, como maternidade, marcadores sociais, mortalidade e garantia de direitos, entre outros.

Como foi feito o Infopen?

O levantamento dos dados do Infopen foi feito através de questionários online, preenchidos pelos gestores das unidades prisionais de todo o Brasil. No total, foram 1.460 unidades registradas, dentre essas 244 mistas, 107 femininas e 1.109 masculinas.

Foram também inseridas informações relativas a celas de delegacias. Como pontua o próprio relatório, em grande parte destes casos, há uma ausência do número total de pessoas (homens ou mulheres) presas nesses estabelecimentos, portanto nem sempre há um recorte de gênero em tal dado, o que resulta em uma subrepresentação do percentual de mulheres.

Diante do grande número de pessoas presas e de estados que compõem nosso território, a formulação de uma pesquisa para verificar a realidade do sistema prisional brasileiro é um desafio, a começar pelo envolvimento de todos os estados na produção dos dados. Embora tal envolvimento seja indispensável para a construção de um cenário nacional e para avaliações em nível estadual, nem todos se engajaram igualmente nas diferentes etapas. De acordo com o Infopen, 4 estados não participaram da validação do levantamento, na segunda parte da pesquisa, enquanto 5 forneceram dados de apenas parte de seus estabelecimentos.

Outro ponto a ser considerado dentro desse mesmo desafio é o modo como o tema da maternidade foi trabalhado na pesquisa. Os organizadores da pesquisa reconhecem a fragilidade dos dados do Infopen nesse quesito, uma vez que apenas 7% da população prisional feminina tem dados relativos aos filhos, o que corresponde a 2.689 mulheres do total de 42.355 sobre as quais se têm informações oficiais. Esses dados são considerados fundamentais para a garantia de direitos maternos, porém não foram contemplados no relatório.

No relatório MulhereSemPrisao já foi apontado que a maternidade é um direito negado, e uma obrigação cotidiana para a qual a mulher presa não possui nenhum tipo de amparo. O não fornecimento dos dados pelos estados faz parte desse cenário. Além de não produzir um panorama preciso sobre a temática, o silenciamento em torno dela mantém reclusos no sistema prisional os problemas enfrentados por essas mulheres, permitindo que a baixa representatividade da amostra seja parte do dispositivo de controle e punição de prisões femininas.

Outro desafio enfrentado por uma pesquisa dessa magnitude refere-se à escala mínima dos dados, ou seja, os dados são coletados a partir dos gestores das diversas unidades prisionais. Segundo o Infopen, o questionário base aplicado nas unidades não leva em consideração dados individuais das pessoas presas, o que, mais uma vez os organizadores reconhecem que essa opção metodológica resulta na impossibilidade de análises que cruzem categorias como gênero, idade, escolaridade, tipos de crime etc.

Além disso, o próprio relatório não explica como foram levantados os dados fornecidos por meio do questionário online, ou melhor, não está evidente quais os padrões e parâmetros  utilizados pelas diferentes unidades para seu preenchimento. Se um dos objetivos do Infopen é dar visibilidade às condições das pessoas presas, o processo de coleta das informações primárias deve não apenas atuar numa escala individual, como sugerem os próprios organizadores, mas também ter sua metodologia discriminada em todas as etapas. Isso poderá contribuir para o maior grau de visibilidade de certas coletividades e demandas em nível estadual e nacional.

Outro importante resultado em razão da opção por não aplicar o levantamento dos dados individuais é a impossibilidade de incorporação da autodeclaração como modo de coleta de certas informações. Embora o Infopen utilize as mesmas categorias de órgãos nacionais (como o IBGE e o PNAD) que adotam o princípio da autodeclaração, o preenchimento de questões acerca da raça, cor e etnia fica a cargo dos gestores das penitenciárias, como aponta o relatório. A população indígena, por exemplo, que nos dados corresponde a um número mínimo de mulheres aprisionadas, pode ter sido invisibilizada por tal método. Isso gera uma possível negação de acesso a direitos específicos, previstos no Estatuto do Índio, como o local e o modo do cumprimento da pena, entre outros direitos específicos.

Como alternativa para sanar as limitações metodológicas acerca da escala mínima, o relatório indica a criação do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional – Sisdepen, que contará com um prontuário de cada pessoa presa no país. Esse sistema, quando inteiramente implementado, possuirá o potencial de gerar dados individuais e cruzados, capazes de delimitar, por exemplo, o número de mulheres, sua raça, etnia, idade, com ou sem filhos menores de 12 anos, tipo de acusação entre outras variáveis importantes que permitam a garantia de direitos e políticas públicas aderentes à realidade nacional. Ainda cabe perguntar se o levantamento de informações dessa natureza no Sisdepen terá como método de coleta a autodeclaração ou se serão mantidas a escala mínima, a partir das unidades prisionais.

Do ponto de vista do ITTC, o Relatório do Infopen, além de apresentar uma sistematização nacional das informações acerca do cenário carcerário, como bem apresenta seus organizadores, caminha no sentido de ganhar abrangência, elucidar especificidades, criar acúmulos e séries históricas. Por ser uma ferramenta importante na luta e manutenção dos direitos das mulheres presas, é de suma importância a garantia de que as etapas de sua produção ocorram de forma transparente e apropriada. Somente assim a transparência das informações sobre os estabelecimentos penais e da população prisional brasileira prevista no relatório será, de fato, promovida para que seus objetivos, como a incidência política, sejam atingidos.

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maio 25, 2018 | Artigos | 0 Comentários

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