Nota pública do ITTC sobre a revogação da prisão domiciliar de Adriana Ancelmo

[Atualização: No dia 24 de março, foi decretada a prisão domiciliar de Adriana Ancelmo, com outras restrições como acesso à internet e telefone vetado. Muito embora esta seja uma decisão a ser celebrada, o ITTC entende que o acesso a direitos deve ser garantido a todas as mulheres, e este caso não corresponde à realidade da grande maioria. ]

Adriana Ancelmo, esposa do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, teve sua prisão provisória substituída por prisão domiciliar na última sexta-feira, 17. No entanto, a decisão foi revogada pelo desembargador Abel Gomes na tarde de ontem, 20. Segundo ele, a decisão pela prisão domiciliar “poderia gerar expectativas vãs ou indesejáveis para as demais mulheres presas que até hoje não foram contempladas por tal substituição”.

Não é o caso de revogar a prisão domiciliar de Adriana Ancelmo, mas sim de contemplar, com este mesmo direito, todas as mulheres presas, já que há amparo legal para tanto, seja no Marco da Primeira Infância, seja em Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário, ou no próprio Código de Processo Penal. As expectativas das mulheres à fruição de seus direitos não podem ser vãs ou indesejáveis. Indesejável é a busca da igualdade a partir da negativa de direitos a todas.

O ITTC é uma organização que participa historicamente da luta pelo desencarceramento de mulheres e vem a público ressaltar a importância da aplicação de instrumentos desencarceradores já existentes, como os previstos no Marco Legal da Primeira Infância, que possibilitam a substituição da prisão provisória por prisão domiciliar a mulheres gestantes ou com filhos menores de 12 anos.                                    

De acordo com o relatório MulhereSemPrisão, lançado pelo ITTC no dia 07 de março, as questões de gênero são sistematicamente invisibilizadas nos processos criminais, desde a abordagem policial até o fim do processo. A pesquisa relatou que nos boletins de ocorrência, por exemplo, há a supressão de informações importantes sobre a maternidade, o que dificulta o acesso a certos direitos, como a prisão domiciliar.

A ausência de dados sobre maternidade é a regra nos casos de mulheres presas, e até mesmo no INFOPEN Mulheres – levantamento de informações sobre mulheres presas realizado pelo Ministério da Justiça em 2014 – é omisso nessa questão. Ainda, observamos que os atores do sistema de justiça (Judiciário, Ministério Público, Advocacia e Defensoria Pública), bem como o desembargador Abel Gomes neste caso, ignoram questões de gênero – como o papel socialmente atribuído à mãe para o convívio familiar – que, de acordo com as previsões legais, deveriam ser instrumentalizadas para garantir a liberdade da mulher.

O caso de Adriana já seria uma exceção, mantida a decisão de primeira instância, e evidenciaria como o sistema penal é seletivo, atuando de formas diferentes a depender da raça e da classe de seus alvos. Nota-se que, as outras mulheres, negras, pobres e moradoras de regiões marginalizadas, continuam tendo seus direitos negados com o manejo da prisão preventiva como regra.

Para o ITTC, o Estado brasileiro precisa urgentemente começar a adotar uma política desencarceradora e atenta ao contexto social no qual as mulheres são inseridas, para preservar tanto a liberdade quanto seus demais direitos.

Além disso, é urgente a implementação das disposições das Regras de Bangkok, ratificadas pelo Brasil na Assembleia Geral da ONU, que dispõem sobre a liberdade como regra para a mulher submetida a justiça criminal. Ademais, é necessário que a prioridade ao convívio familiar seja garantida a todas as mulheres submetidas ao sistema criminal, e que instrumentos como o artigo 318 do Código de Processo Penal, alterado pelo Marco Legal da Primeira Infância em 2016, sejam utilizados para todas as mulheres gestantes e/ou com filho ou filha de até 12 anos, independente de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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mar 21, 2017 | Artigos | 0 Comentários

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