10 anos da Lei de Drogas: é estratégico discutir critérios objetivos?

Por Ana Luiza Voltolini Uwai

O seminário 10 anos da Lei de Drogas foi realizado nos dias 22 e 23 de setembro na Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). O evento, que foi realizado pelo IBCCRIM, JOTA e pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas – PBPD, contou com o apoio do ITTC, da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas e outras organizações que também trabalham com o tema.

A pesquisadora do projeto Gênero e Drogas do ITTC, Lucia Sestokas, participou da mesa de fechamento do evento sobre a viabilidade e a pertinência dos critérios objetivos de distinção entre tráfico e uso de drogas. Também participaram da discussão Ana Paula Pellegrino, do Instituto Igarapé, Rafael Custódio, da Conectas Direitos Humanos, Maurício Dieter, da Universidade de São Paulo e, como mediador, Maurício Fiore, coordenador da PBPD.

A questão norteadora da mesa, levantada por Fiore, foi: é estratégico discutir critérios objetivos?

Segundo Dieter, hoje os critérios que diferenciam uso de tráfico ficam a cargo da arbitrariedade da polícia e do judiciário. O advogado citou uma pesquisa que analisou 120 processos criminais relativos a drogas e as conclusões foram que vários critérios subjetivos são levados em consideração na hora do flagrante, como por exemplo a presença de antecedentes, a variedade e o tipo da droga. No entanto, todos eles são definidos pela polícia de maneira que pessoas negras e pobres, como regra, são condenadas por tráfico.

Para ele, portanto, critérios devem, sim, ser discutidos, mas que seja o da quantidade máxima, e que leve em consideração a quantidade do princípio ativo da droga em gramas, em acordo com o sistema internacional de unidades. Além disso, para o advogado, esses critérios não devem mais depender do testemunho da polícia, que hoje é quase sempre o único levado em consideração nos processos.

Em consonância com a necessidade da discussão dos critérios apontada por Dieter, Ana Paula Pellegrino, pesquisadora do Instituto Igarapé, citou a nota técnica sobre os critérios objetivos de distinção entre usuários e traficantes de drogas  divulgada em 2015 pela organização. De acordo com ela a pesquisa foi “estratégica e necessária”, mas ainda há muito debate, pois o Brasil está em um processo e não há como apenas importar modelos de adoção de critérios, já que diferentes países possuem diferentes parâmetros de quantidade.

Alternativas aos critérios objetivos: “Por que não usar os critérios como desencarceradores?”

Contra adoção de critérios objetivos que diferenciem pessoas traficantes de usuárias, Lucia Sestokas, do ITTC, começou sua fala trazendo como exemplo o caso de uma mulher que foi presa como traficante de cocaína quando, na verdade, carregava polvilho. Conforme a pesquisadora, isso retrata duas questões problemáticas e que devem ser levadas em consideração na hora de discutir a pergunta feita inicialmente por Fiore: a facilidade de implantação no momento do flagrante e a criminalização automática, nos moldes do que chamou de “kit enquadro”, no caso da polícia ter que andar com uma balança para pesar a droga (sem levar em conta a pureza dela) e, assim, já definir quem é traficante e quem é usuária/o. Isso é algo que acontece no México e tem resultado no aumento exponencial do encarceramento por drogas no país.

“Se em 2006 essa diferenciação foi um problema, como podemos notar hoje, a adoção de critérios pode resultar em ainda mais problemas […] É preciso pensar se isso realmente vai combater a seletividade penal”, finalizou Lucia.

Uma alternativa trazida pela pesquisadora foi a adoção de critérios desencarceradores. A lei brasileira prevê alguns “critérios objetivos” que possibilitam, por exemplo, substituir a prisão preventiva pela domiciliar em casos em que a mulher esteja grávida, seja responsável pelo cuidado de criança de até seis anos ou seja mãe de criança de até 12 anos. Esses critérios, contudo, não são aplicados.

“O mesmo órgão que diz que a prisão é violadora de direitos permite que se prenda ainda mais”

A atuação do Supremo Tribunal Federal foi colocada em pauta por Rafael Custódio, coordenador do programa de justiça da Conectas, que considera o STF “um ator privilegiado na questão dos Direitos Humanos”, mas que costuma ter decisões contraditórias que, geralmente, por um sentimento de autopreservação, variam de acordo com a visibilidade da pauta e o coro popular.

Como exemplo citou a ADPF 347 de 2015, que pedia declaração do STF de que o sistema penitenciário brasileiro viola os direitos fundamentais das pessoas em situação de prisão e um Habeas Corpus do começo de 2016 em que decidiu que uma pessoa pode ser presa ainda na 2ª instância, ou seja, mesmo quando ainda caberiam recursos que poderiam reverter sua pena.

Nesse sentido, antes de discutir se a adoção de critérios objetivos é estratégica, segundo Custódio, os esforços da sociedade civil devem estar voltados a pressionar o Supremo para que se discuta a inconstitucionalidade da própria lei de drogas.

O horizonte do ITTC é sempre o de não encarcerar pessoas, procurando pensar nas questões que deveriam ser tratadas por políticas sociais fora do sistema de justiça criminal. Ainda assim, dentro do que já existe de legislação no Brasil, caso ela fosse aplicada com fins de garantias de direitos, seria possível ter muito mais mulheres fora do cárcere.

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set 29, 2016 | Artigos | 0 Comentários

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