Nota do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania posicionando-se a respeito da matéria publicada no site Consultor Jurídico por Sérgio Rodas.
Por Raquel da Cruz Lima, coordenadora de pesquisa do Programa Justiça Sem Muros
O juiz federal Ricardo A. de Sales, da 3ª Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Amazonas, extinguiu, sem julgamento de mérito, a Ação Civil Pública (número 8837-91.2014.4.01.3200) proposta pela Defensoria Pública da União pedindo que a audiência de custódia fosse imediatamente implantada no estado.
Trata-se de uma decisão que merece críticas pois, em primeiro lugar, nega um caminho para dar efetividade ao dever de o Estado apresentar, sem demora, toda pessoa presa a um juiz. Esta é uma obrigação que decorre da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, um tratado que o Brasil está obrigado internacionalmente a cumprir. Ao permitir que, em até 24 horas, a pessoa presa seja levada à presença de um juiz, a audiência de custódia pode prevenir e apurar casos de tortura, além de incentivar o relaxamento da prisão ou a aplicação de medidas cautelares. É um mecanismo especialmente importante no caso das mulheres presas, pois mediante o contato presencial, o juiz pode identificar casos de gravidez e maternidade, os quais não são registrados no auto de prisão em flagrante.
Além disso, essa decisão também chama atenção para um dos desafios que existem para o pleno acesso à justiça no Brasil: o reconhecimento de que a Defensoria Pública tem legitimidade ativa para propor Ações Civis Públicas e que sua missão institucional não se restringe à defesa individual de pessoas hipossuficientes economicamente.
A inclusão da Defensoria entre os legitimados para ajuizar ACP foi determinada pela Lei n. 11.448/2007, mas tem sido objeto de questionamentos, inclusive perante o Supremo Tribunal Federal, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (ADI 3943).
O ITTC discorda da posição do juiz da 3ª Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Amazonas e defende que para fortalecer a Defensoria Pública como órgão democrático é fundamental reconhecer que a Ação Civil Pública pode ser – e tem sido – instrumento processual para a efetivação dos direitos humanos. Em São Paulo, há bons exemplos da atuação da Defensoria nesse sentido, como a ação (0002249-08.2013.8.26.0053) que pleiteou o fornecimento de assistência material mínima aos presos nas unidades prisionais vinculadas à Regional de Ribeirão Preto.
As Defensorias Públicas devem ser incentivadas a atuar para além da perspectiva individualista, combatendo também estruturas que perpetuam violações a direitos humanos. No âmbito da justiça criminal, sua atuação deve incluir tanto a defesa da liberdade da pessoa que está presa, quanto se contrapor, por meio do litígio coletivo e outras ações, a políticas de encarceramento em massa e aos maus-tratos e à tortura enquanto práticas institucionais. É exatamente o que buscava a Defensoria Pública da União, ao cobrar a realização de audiências de custódia.