A consolidação da atual política de drogas no Brasil

Por Fernanda Costa Meneses Nunes*

No contexto brasileiro, o acompanhamento da política de drogas implementada pelo Estado se faz urgente e necessário, na medida em que afeta cotidianamente a vida de toda a população, especialmente de mulheres.

Quando refletimos sobre o tema, estamos falando sobre o cerceamento (ou não) de liberdades individuais: o direito de dispor do próprio corpo e tomar decisões sobre nossas próprias vidas. Também falamos sobre saúde e educação, como essas políticas públicas abordam a temática das drogas e promovem o acesso a cuidado e informação. Principalmente, falamos sobre desigualdades de raça, gênero e classe, ou seja, sobre como a guerra às drogas é desenhada para garantir a exclusão, o aprisionamento e a morte de determinadas pessoas.

No Brasil, desde o início do governo Bolsonaro, uma série de medidas já foram tomadas no sentido de consolidar uma política de drogas excludente e violenta, pautada no proibicionismo e na defesa do encarceramento em detrimento do cuidado.   

Em abril de 2019, Bolsonaro aprovou a sua Política Nacional de Drogas, através do Decreto 9761/2019. Ele, entre outras coisas, adota a abstinência total como diretriz, em substituição à prática de redução de danos, prevista em diversas normativas, como na atual lei de drogas. Além disso, o governo passa a incentivar abertamente a expansão e o financiamento das chamadas comunidades terapêuticas, entidades privadas voltadas para o tratamento de pessoas que fazem uso de drogas, e que apresentam uma série de violações de direitos. O Decreto simboliza um retrocesso tão grande em relação à histórica luta antimanicomial brasileira que prevê até mesmo o uso de equipamentos para eletroconvulsoterapia, conhecido como choque elétrico.

É preciso destacar que, no campo da política de drogas, o retrocesso de direitos ou o avanço da pauta conservadora não se dão pontualmente por meio do poder executivo, mas de forma ampla e em diferentes frentes. Em maio de 2019, o Senado Federal aprovou o PLC 37, de autoria do atual Ministro da Cidadania Osmar Terra. A lei, já sancionada por Bolsonaro, dispõe sobre a Política Nacional de Drogas e concretiza o protagonismo da abstinência total, das internações como forma de tratamento e das comunidades terapêuticas.

No texto original do projeto de lei, há menção expressa à valorização de parcerias com entidades religiosas e associações privadas para o tratamento via internação, com destinação de dinheiro público às entidades.  O incentivo às comunidades terapêuticas foi previsto como uma possibilidade de dedução de 30% do Imposto de Renda em doações para essas instituições, o que foi vetado posteriormente pela presidência. De qualquer forma, no jogo político, quem saiu ganhando com a aprovação foi a bancada evangélica, que conta com diversos donos e representantes de comunidades terapêuticas.

Se os poderes executivo e legislativo consolidam uma política de drogas cada vez mais conservadora, havia uma expectativa de que o poder judiciário, por meio do Supremo Tribunal Federal, desse um passo um pouco mais progressista ao garantir a descriminalização da posse para uso de drogas, tema do Recurso Extraordinário 635.659, que estava em pauta para julgamento no Tribunal no dia 05 de junho de 2019.

A ação pela descriminalização foi proposta pela Defensoria Pública de São Paulo em 2011 e começou a ser analisada pelo STF em 2015, quando os Ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram a favor da descriminalização. Após esses votos, a ação foi suspensa e liberada para votação apenas esse ano. Entretanto, o presidente do STF, Dias Tóffoli, retirou o julgamento de pauta dois dias após de aderir ao pacto proposto pelo Governo.  

A decisão do Ministro vai na contramão de uma grande demanda da sociedade civil organizada pela descriminalização das drogas. Nos meses de maio e junho, foram realizadas diversas manifestações, as chamadas “marchas da maconha”. Em São Paulo, estima-se que 100 mil pessoas foram às ruas em defesa da regularização, descriminalização e legalização da maconha para uso recreativo, medicinal e religioso.

Para além da pressão pela descriminalização do uso, o ITTC pontua que hoje 28% das pessoas privadas de liberdade respondem pelo crime de tráfico de drogas. Quando restringimos às mulheres, o número é ainda maior: 62% respondem por crimes relacionados a drogas.

Dessa forma, ao apostar no endurecimento da política de drogas e no encarceramento como resposta, o Estado, ancorado em seus três poderes, continua reproduzindo uma lógica punitivista, que segue, a todo vapor, prendendo e matando pessoas e gerando lucro para uma elite política que se beneficia com o crescimento de instituições violadoras de direito, como as comunidades terapêuticas.

 

*Fernanda Costa Meneses Nunes é advogada e integrante do Projeto Gênero e Drogas do ITTC

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jun 13, 2019 | Artigos, Noticias | 1 Comentário

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