Monitoração eletrônica: mais uma propaganda enganosa da operação Lava-Jato

Por Ana Luiza Voltolini e Raquel da Cruz Lima

Imagem: Reprodução

Em sua edição do dia 13 de março, o programa Fantástico exibiu uma reportagem sobre as pessoas presas na operação Lava Jato que, por meio de delação premiada, receberam prisão domiciliar.

Durante a matéria, a tornozeleira eletrônica foi apresentada como forma de monitorar em tempo real onde as pessoas presas neste regime estão. O funcionamento dela foi bastante explorado no programa e retratado de modo bastante positivo. Além de mostrar a localização de quem a usa, é possível saber a altitude, a velocidade com a qual se move e até seus batimentos cardíacos.

No Paraná, onde a matéria foi filmada, este tipo de controle começou no ano passado, com os presos da Lava-Jato. No entanto, diferentemente do que a reportagem parece sugerir, a monitoração não é um recurso novo nem, tampouco, uma ferramenta que carece de expansão. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, hoje já há mais de 18 mil pessoas rastreadas, a maioria delas cumprindo pena em regime aberto ou semiaberto, ou seja, pessoas nas quais a tornozeleira é colocada como forma de controle e punição adicionais.

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Expectativa versus realidade

É difícil afirmar ao certo quando a aplicação das tornozeleiras começou no Brasil, pois diversos testes ocorreram simultaneamente em diferentes estados. Apesar disso, de acordo com o pesquisador Ricardo Campello, foi em 2010 que a Lei nº 12.403/11 foi promulgada, autorizando o monitoramento eletrônico como medida cautelar. A partir de então, seria possível aplicar a medida no lugar da prisão preventiva, já que na época havia 164.383 pessoas presas provisoriamente no país e uma alarmante superlotação do sistema prisional.

Três anos depois, o número de presos provisórios pulou para 250.213, sem desafogar o sistema e portanto “contrariando a argumentação daqueles que pretendiam o controle via satélite, localização georreferenciada e intercomunicação policial e penitenciária, como medida de desencarceramento”, conforme demonstrou o parecer do pesquisador.

Campello demonstra que apesar do discurso desencarcerador e “humanizado” de parte das pessoas entusiastas do monitoramento eletrônico, o que se concretizou foi uma expansão do punitivismo que, estimulado pelo capital privado, criou uma relação de complementaridade entre o monitoramento e o cárcere. Se antes a intenção era aplicar a medida ao invés de prender, hoje se prende dentro e fora dos estabelecimentos prisionais.

Outros problemas

Além dos questionamentos em relação ao papel da tornozeleira em função do desencarceramento, outros problemas foram apontados pelo pesquisador, como por exemplo o tamanho dos equipamentos, “que impõem restrições aos seus portadores, imprimindo a eles o estigma de prisioneiros”¹ e a curta duração da bateria, que obriga as pessoas monitoradas a “permanecerem frequentemente plugadas na tomada”. Esse foi um aspecto retratado pela reportagem do Fantástico, mas de forma totalmente acrítica, já que para pessoas em situação de rua, por exemplo, a necessidade de ficar algumas horas com a perna conectada a uma tomada é uma condição extremamente difícil de ser cumprida.

Para saber mais sobre o monitoramento eletrônico, leia o parecer na íntegra aqui.

Saiba mais sobre o assunto:

http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2015/12/12/tornozeleira-e-o-mercado-do-castigo/

https://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulga-primeiro-diagnostico-nacional-sobre-monitoracao-eletronica-de-pessoas

http://ittc.org.br/o-monitoramento-eletronico-e-a-hipotese-de-desencarceramento/

 


¹ O estigma da tornozeleira é claramente perceptível no caso de Rafael Braga, que foi preso injustamente nos protestos de 2013 e voltou a ser preso em janeiro deste ano, em um flagrante forjado a partir da identificação pelos policiais da condição de Rafael de monitorado eletronicamente. (http://www.vice.com/pt_br/read/a-nova-prisao-de-rafael-braga-o-reflexo-de-um-sistema-punitivo-seletivo)

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abr 19, 2016 | Artigos | 0 Comentários

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