Posicionamento do ITTC sobre o caso Janaína e demais mulheres presas

Violências sistemáticas e relacionadas ao gênero que estão presentes na vida de todas as mulheres dentro do sistema de justiça criminal.

Janaína Aparecida Quirino representa bem o perfil das mulheres encarceradas no Brasil: é pobre, mãe, negra e está presa por tráfico de drogas. O ITTC, por ser uma organização que luta há 20 anos pelos direitos de mulheres como Janaína, vem a público repudiar a violência intrínseca ao sistema de justiça brasileiro.

Segundo denúncia do jurista Oscar Vilhena Vieira em artigo, “Janaina é uma mulher pobre, em situação de rua, e que tem filhos. Por isso um membro do Ministério Público entendeu que ela deveria ser esterilizada”. Estamos em 2018 e uma mulher, sem o seu consentimento, foi submetida à tal violência por ordem da justiça dos homens.

Para além dessa violência, também é preciso evidenciar como violências sistemáticas e relacionadas a gênero estão presentes no cotidiano das mulheres que têm, de alguma forma, suas vidas influenciadas pelo sistema de justiça criminal.

Janaína é uma mulher que, durante sua trajetória de vida, foi afastada de seus direitos, de sua liberdade e do gozo de seu próprio corpo. Ela tem 8 filhos, esteve em situação de rua, fazia uso de drogas e sofria violência doméstica por parte do pai de 5 de seus filhos. O Estado não foi capaz de olhar para Janaína durante toda a complexa realidade social em que ela foi colocada, mas sentiu-se competente para cercear a única liberdade que ainda lhe restaria: o controle do próprio corpo.

Como acontece com a grande maioria das mulheres pobres presas no Brasil, a política pública mais presente na vida de Janaína foi a justiça criminal. Depois de inúmeras violências, ela foi presa grávida e com quantidade irrelevante de droga, sendo que tais elementos poderiam lhe garantir o acesso a direitos, como o de responder ao processo criminal em prisão domiciliar, conforme previsto no Marco Legal da Primeira Infância. No entanto, a informação sobre maternidade nem mesmo consta em seu processo, fortalecendo a invisibilidade que marca a vida de Janaína e de milhares de mulheres com realidades semelhantes à dela.

Segundo os dados oficiais do governo, pelo menos 42.355 outras mulheres estão, neste momento, privadas de liberdade, mas o Estado dispõe de informações relacionadas à maternidade para uma amostra de somente 7% desse total. Esses mesmos dados oficiais revelam que, no Brasil, existem apenas 28 ginecologistas disponíveis em estabelecimentos penitenciários.

Isso significa que a maternidade, no que diz respeito à garantia de direitos sexuais e reprodutivos de mulheres – em sua grande maioria, negras e pobres -, é sistematicamente invisibilizada, além de utilizada por meio de políticas racistas e seletivas como justificativa para a intervenção estatal irrestrita nos seus corpos. Destitui-se, assim, todo o seu direito de escolha – seja impedindo-as de abortar (pela lei) ou obrigando-as à laqueadura (por ordem de um homem), como ocorreu com Janaína.

Apesar de não serem incomuns, casos como esses são extremamente graves e não podem ser normalizados, em especial no que tange à atuação do sistema de justiça, a exemplo do Ministério Público neste caso, enquanto instituição responsável pela defesa das garantias constitucionais.

O ITTC repudia tais atos e também considera necessário refletir acerca do funcionamento de um sistema de justiça, que permite que parte de seus representantes intervenham no controle de corpos a partir de desigualdades sociais marcadas pelo gênero, pela classe e pela raça. Janaína é um dentre inúmeros casos que ocorrem diariamente no país, refletindo a incapacidade (ou, na verdade, o desinteresse) do Estado em reestruturar um sistema que cada vez mais pauta suas decisões na violência e na punição como mecanismos de controle absoluto.

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jun 13, 2018 | Artigos | 0 Comentários

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