“Réus negros, juízes brancos”: debate aborda encarceramento em massa e seletividade penal

Seminário Internacional de Ciências Criminais do IBCCrim discutiu a participação da sociedade civil no cárcere

A 23ª edição do Seminário Internacional de Ciências Criminais, organizado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), aconteceu entre os dias 29 de agosto e 1º de setembro. O evento contou com palestrantes de diversas nacionalidades e abordou temas como encarceramento em massa, seletividade penal, feminicídio e segurança na internet.

No dia 29 de agosto, o evento contou com oito mesas de debate, além da sessão de abertura. Participaram da mesa de debate “A participação da sociedade civil no cárcere” a advogada, atriz e pesquisadora Dina Alves e o advogado e vice-presidente do IDDD, Hugo Leonardo, além de Thayná Yaredy e Matheus Silveira Pupo, na presidência e na mediação da mesa.

Hugo Leonardo trouxe um panorama histórico de como o processo penal se desenvolveu ao longo dos séculos, demonstrando que antes ele era sigiloso e a execução penal, tratada como uma espécie de espetáculo. Com o passar do tempo, esse sistema se inverteu: o processo penal passou a ser público e a execução penal, privada.

Segundo o advogado, esse processo aumenta os impactos do cárcere como eixo do poder punitivo estatal, além de criar um poder paralelo ao Estado, pois a ausência de fiscalização faz com que as pessoas presas e os funcionários vivam uma lógica que não está na lei.

Dina Alves iniciou sua fala sobre o encarceramento em massa propondo a reflexão: “Para quê e para quem é a prisão?”. Abordando a pesquisa feita para seu mestrado, Rés negras, juízes brancos, a pesquisadora demonstrou como desde a diáspora africana o Estado utiliza seus mecanismos institucionais para perpetuar o genocídio da população negra e validar o encarceramento em massa. Ela expôs também o impacto desses mecanismos em mulheres negras.

Outro apontamento feito pela pesquisadora foi o fato de o judiciário ainda utilizar justificativas subjetivas, muitas vezes baseadas em estereótipos, para criminalizar a população pobre e negra. “A prisão foi feita para corpos negros, por isso não existe a necessidade de instituições para fiscalizar e resolver esse problema”, afirmou.

Atualmente, a população carcerária é de mais 600 mil pessoas. Desse total, cerca de 60% são negras, 53% não têm Ensino Fundamental completo e 30% das pessoas presas têm entre 18 e 24 anos. Dina Alves mostrou que, por trás de tais dados, o impacto vai muito além dos números registrados. “O encarceramento, para além do espaço físico, também é o encarceramento da família e da comunidade”, disse a pesquisadora ao abordar os impactos do encarceramento em massa na vida social de habitantes das zonas periféricas, alvo de políticas repressivas de segurança pública.

A mesa se encerrou com um questionamento feito por Dina Alves e Hugo Leonardo ao longo do debate: “Que sociedade é essa que precisa prender para discutir o cárcere?”. Para ambos, atualmente, a sociedade, sobretudo no âmbito jurídico, se guia por um viés altamente punitivista e racista.

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set 12, 2017 | Noticias | 0 Comentários

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