NOTA PÚBLICA: Direito de migrantes e refugiados colocados em risco pela ilegalidade da Portaria 666 do Ministério da Justiça e Segurança Pública
Na última sexta-feira, 26 de julho, a publicação da Portaria nº 666/19 do Ministério da Justiça e Segurança Pública despertou grande preocupação das entidades que assinam esta nota conjunta.
A Portaria contraria o espírito da vigente Lei de Migração (13.445/17): construída com profundo e maduro diálogo com sociedade civil e concebida conforme os parâmetros de direitos humanos oriundos da Constituição Federal e do direito internacional.
A Portaria nº 666 pretende regular hipóteses para impedimento de ingresso em território nacional, a repatriação e a deportação sumária de imigrantes e visitantes. Para tanto e buscando dar legitimidade a seu texto, utilizou-se de instrumentos previstos na Lei de Migração, ignorando, no entanto, seus princípios e diretrizes pautados no respeito aos direitos humanos, na não criminalização da imigração, e na garantia de respeito ao contraditório e à ampla defesa nos procedimentos de retirada compulsória.
A referida Portaria ignora a presunção de inocência ao impedir o ingresso no país – inclusive para fins de solicitação de refúgio- e ao determinar a repatriação e mesmo a deportação sumária com base em mera suspeita de envolvimento em crimes, pautando-se em informações ainda não comprovadas. Vale-se, ainda, de termo vago e inexistente no ordenamento jurídico interno de “pessoa perigosa” para implementar tais medidas e coloca sob o manto do sigilo os processos nesse contexto, inviabilizando o controle social.
A Portaria se vale da deportação, medida de retirada compulsória já existente no ordenamento jurídico brasileiro (Lei nº 13.445/17, artigo 50), para aparentar legitimidade e legalidade ao tratar da “deportação sumária”, porém, desfigura tal medida a ponto de criar uma nova.
A deportação tal qual prevista na Lei de Migração é instrumento jurídico de âmbito administrativo para retirada compulsória do território nacional apenas de pessoa que se encontre em situação migratória irregular. No entanto, a portaria a utiliza para tratar da retirada compulsória de qualquer pessoa suspeita dos crimes listados em seu artigo 2º, ainda que tenha condição migratória regular, em clara violação à previsão legal.
Não há previsão no ordenamento jurídico brasileiro, em especial na Lei de Migração, para medida de retirada compulsória de imigrante que já se encontre em território nacional nos moldes apresentados pela Portaria, tratando se, portanto, de inovação normativa.
Ainda, a portaria ignora o artigo 51 da Lei de Migração que garante o direito ao contraditório e à ampla defesa nos procedimentos de deportação ao permitir a retirada compulsória do país sem o respeito ao devido processo legal, pois reduz o prazo para a apresentação de defesa – que, na Lei, é de 60 dias prorrogáveis – para meras 48 horas. Na prática, esse direito fundamental a qualquer cidadão (brasileiro ou não) tem seu exercício impedido, já que não haverá tempo hábil para reunião e produção de provas e, em muitos casos, sequer para que se constitua advogado.
É inadmissível, também, que a portaria impeça o ingresso no país de qualquer migrante diante de mera suspeita do cometimento ou de envolvimento com atividades ilícitas. Afinal, a Constituição não autoriza que um cidadão – brasileiro, ou não – seja considerado culpado antes de formada sua culpa, isto é, sem o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 5º, LVII da CF).
É importante lembrar que o Ministro da Justiça não está autorizado a regulamentar as hipóteses para fins de refúgio já que o art. 12, V da Lei Federal nº 9.474/97, reserva ao Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) essa atribuição.
Ainda, no direito brasileiro não há possibilidade de que mera portaria venha a contrariar o texto de normas superiores, como são as Leis, Decretos, Tratados e, obviamente, a Constituição Federal. É por essa razão que a norma em comento extrapola formal e materialmente suas possibilidades criando insegurança jurídica aos migrantes no País.
O Ministro da Justiça e Segurança Pública age ao arrepio do que determina a Constituição Federal e ignora seu dever de defender a ordem jurídica (inciso I do art. 37 da Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019) e resolve baixar espécie normativa que deve, tão somente, instruir a execução de leis e decretos, sem jamais alterar seu conteúdo (art. 87, parágrafo único, II da Constituição Federal).
Assim, o Ministro faz com que o Brasil venha a violar compromissos internacionais assumidos e inclusive podendo prejudicar os brasileiros residentes no exterior que poderão vir a receber tratamento equivalente em razão do princípio da reciprocidade.
Para que maiores repercussões não venham atingir brasileiros e não brasileiros é que se conclama a imediata revogação da Portaria nº 666/19 do MJSP.
Assinam esta nota:
1. África do Coração – Federação das Comunidades dos Imigrantes e Refugiados
2. Articulação para o Monitoramento dos DH no Brasil
3. Associação Americana de Juristas – Núcleo Brasil
4. Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude – ASBRAD
5. Associação Católica de Comunicação – SIGNIS Brasil
6. Base Warmis – Convergência das Culturas (Coletivo de Mulheres Imigrantes em São Paulo)
7. BibliAspa
8. Câmara de Direitos Humanos da Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP
9. Caritas Arquidiocesana de São Paulo
10. Cáritas Brasileira
11. Centro de Apoio ao Imigrante – CAMI
12. Centro de Atendimento ao Migrante – CAM
13. Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante – CDHIC
14. Centro de Estudos Bíblicos de Santa Catarina – CEBI-SC
15. Centro de Estudos Migratórios – CEM
16. Centro de Pastoral para Migrantes
17. Centro de Proteção a Refugiados e Imigrantes – CEPRI
18. Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios – CSEM
19. Clínica de Direitos Humanos da Universidade Estadual do Sudeste da Bahia
20. Coletivo Conviva Diferente
21. Coletivo LESBIBAHIA – Coletivo de Lésbicas e Bissexuais do Estado da Bahia
22. Coletivo NegraSô – Coletivo de estudantes negros da PUC-SP
23. Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da OAB RJ
24. Comissão dos Direitos do Refugiado, Asilado e Pessoa sob Proteção Internacional da OAB/SP
25. Conectas Direitos Humanos
26. Conselho Indigenista Missionário – CIMI
27. Conselho Municipal de Imigrantes de São Paulo
28. Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC
29. Fundación Avina Brasil
30. Grupo de Estudo e Trabalhos Psicodramáticos – GETEP
31. Grupo de Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro – GTNM-RJ
32. Instituto das Irmãs de Santa Dorothea
33. Instituto de Culturas e Justiça da América Latina e Caribe – ICUJAL
34. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Baiano – IDSB
35. Instituto de Reintegração do Refugiado – ADUS
36. Instituto Igarapé
37. Instituto Migrações e Direitos Humanos – IMDH
38. Instituto Terra Trabalho e Cidadania – ITTC
39. Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ
40. Miredes Internacional (Rede formada por pesquisadores, pensadores e políticos)
41. Missão Paz
42. Movimento Nacional Fé e Política
43. Observatório das Migrações em São Paulo
44. Paróquia Santa Cecília e São Pio X
45. Pastoral dos Migrantes de Botafogo
46. Pastoral Indigenista
47. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
48. PPG em Direito – UNISINOS
49. Presença América Latina – PAL
50. Projeto de pesquisa Relação de Trabalho e Imigração da Faculdade de
Administração de Administração e ciências contábeis – FACC , UFMT
51. Projeto Ponte Sedes
52. ProMigra – Projeto de Promoção dos Direitos de Migrantes
53. Scalabrinianas Província Maria, Mãe dos Migrantes
54. Serviço Franciscano de Solidariedade – Sefras
55. Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados Brasil
56. Serviço Pastoral do Migrante – SPM
57. Serviço Pastoral dos Migrantes da Arquidiocese de Manaus
58. Serviço Pastoral dos Migrantes de Santa Catarina – SPM-SC
59. Serviço Pastoral dos Migrantes do Nordeste
60. União Nacional de Lésbicas Gays Bissexuais, Trans e Travestis QI – UNALGBT