Wakanda para sempre: O que o filme Pantera Negra nos mostra sobre o racismo dos dias atuais

Por Bárbara Heliodora, colaboradora do ITTC

Desde que estreou, o filme Pantera Negra já arrecadou mais de 1 bilhão de dólares no mundo todo. Não é à toa. A obra consegue ao mesmo tempo ser representativa da população negra africana e de sua diáspora, exaltar a cultura, recursos e história do continente e por mais que o protagonista seja um homem, tem sido considerado o filme mais feminista de super-herói já feito.    

O personagem foi criado por Stan Lee e Jack Kirby em 1966, em meio a uma década de grandes e significativos conflitos raciais nos E.U.A. Seu nome (embora negado pelos seus criadores) inevitavelmente conduz à associação com o Partido dos Panteras Negras, histórico grupo de resistência com quem divide também o ano de ‘nascimento’. A versão cinematográfica é dirigida por Ryan Coogler que escreveu o roteiro junto com Joe Robert Cole

A arte de contar histórias é uma das características que se apresenta como inerente à humanidade. Assim perpetuamos jornadas e conquistas, propagamos sabedoria e desenvolvemos ideias. Daí a importância da representatividade: quando uma história nos é contada e nos enxergamos nela, nos sentimos humanos, pertencentes, capazes. A recíproca também é verdadeira – se a cultura de uma sociedade só produz histórias em que poucos são representados, certamente essa sociedade é desigual.

É importante ressaltar que nem Pantera Negra conseguiu contemplar a diversidade de forma ampla: muitos grupos LGBTT+ se mostraram, com razão, incomodados com a heteronormatividade presente na obra.

Enquanto mulher negra, fiquei feliz com o feminismo do filme. Embora o sistema político de Wakanda também seja passível de muitas críticas (qual não é?), o fato de que T’Challa é rei e protagonista não é estruturado para anular as figuras femininas à sua volta. Pelo contrário, as mulheres são personagens integrais e necessárias para a narrativa, além de representarem o progresso tecnológico e ideológico do filme. Um exemplo (mini spoiler) é que enquanto Killmonger quer abrir o poder de Wakanda para o mundo mas continua reproduzindo a lógica colonizadora e destruidora daqueles que o ‘criaram’, Nakia têm uma visão de abertura de Wakanda com perspectiva social e acolhedora.

Por último, uma das bandeiras levantadas pelo filme, e que passa quase despercebida, é a reflexão sobre como a história de colonização e diáspora africana reverbera até hoje com o encarceramento em massa e genocídio da população negra. No Brasil, 67% da população carcerária é negra, segundo dados do último INFOPEN. Nos E.U.A., a situação não é diferente: hoje há mais negros na prisão do que havia escravos no país em 1850, concluiu estudo de Michelle Alexander, socióloga da Universidade de Ohio. Não por acaso, o personagem que foi excluído de Wakanda e que pôde testemunhar a realidade do povo preto no mundo é aquele que sabe dessa relação e que a expõe quando retorna à sua terra. Killmonger não é nem o herói nem o vilão: ele é um anti herói, fazendo a coisa errada pelo motivo certo.

Pantera Negra parece ser um divisor de águas. Já se firmou enquanto ícone mas é preciso ter cuidado para que não se torne estático e vazio. É um filme que não pode ser um fim em si mesmo, mas merecidamente um marco dentro de uma longa luta. Não é suficiente que esse exalte a cultura e a pele negra: é preciso que todos os filmes promovam e respeitem a diversidade humana sempre.

Mais do que ter um super-herói com quem se identificam, o valor da obra se encontra na sua capacidade de instigar em negras e negros no mundo todo o interesse em si mesmos, o orgulho por ser quem são e a indignação pelo que acontece com quem é assim. A representação positiva de histórias e culturas africanas é um convite ao conhecimento, à aproximação e ao resgate da união e da força dos filhos da África no mundo todo.


Foto: Divulgação

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mar 29, 2018 | Noticias | 2 Comentários

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