Por Ana Luiza Voltolini
O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC participou, no dia 31 de agosto, de debate sobre a situação das mulheres no sistema carcerário, realizado na Faculdade Getúlio Vargas. Ao lado de Nathália Duó, integrante do Projeto Estrangeiras do Instituto, também estiveram presentes Vivian Calderoni, da Conectas Direitos Humanos, Marina Giovedi e Ana Carolina Cartillone, do grupo de extensão SAJU – Cárcere, da Faculdade de Direito da USP, Ana Gabriela Mendes Braga, antropóloga e coordenadora da pesquisa “Dar à Luz na Sombra” e Giselia Sá, que cumpre pena em regime aberto.
A discussão foi realizada pelo Coletivo Feminista Candaces, da FGV, para dar continuidade à campanha para arrecadação de absorventes idealizada a partir da publicação do livro Presos que menstruam, no qual é mencionado o uso de miolo de pão como alternativa ao absorvente para mulheres em situação de prisão.
O primeiro ponto levantado pelas integrantes da mesa foi a importância de se olhar criticamente para esse tipo de iniciativa, já que, apesar de ser um bom começo, também deixa margem, na fala de Ana Gabriela Mendes, para que se reduza feminilidade à menstruação, enquanto existem outras temáticas sociais específicas de gênero mais importantes e urgentes, como a maternidade na prisão e o acesso à justiça.
O cárcere, cruel com todos e todas, atinge as mulheres de maneira ainda pior. Giselia Sá, que passou 4 meses entre regimes fechado e semiaberto no ano passado, contou que, além dos direitos que são negados às pessoas presas, existem diferenças entre o tratamento de homens e mulheres, como o abuso sexual e o abandono da família, que deixa de visitá-la. Além disso, quando há o acesso a direitos, ele se dá de formas diferentes, como quando foram concedidos menos dias de saída temporária a ela do que ao noivo, também preso em São Paulo.
Para Marina Giovedi e Ana Carolina Cartillone, o abandono familiar ocorre pois “quando uma mulher é presa, ela descumpre um papel perante à sociedade”, que a desqualifica como mulher, mãe, esposa, filha, para virar criminosa. Segundo elas, a ausência de visitantes às mulheres é evidente quando se acompanha os dias de visita em penitenciárias. Nas prisões masculinas, são mães e esposas que levam comida e itens de higiene que faltam lá dentro para os homens. Nas femininas é raro encontrar alguém.
“Há uma múltipla punição da mulher”, afirma Nathália Duó. Isso exige delas diferentes maneiras de ação e resistência, algumas presenciadas nos atendimentos semanais que o Projeto faz à Penitenciária Feminina da Capital – PFC. “Essas resistências sutis e diárias são a forma que essas mulheres encontram para lidar com o abandono social, familiar e prisional”, afirma.
Ainda segundo Nathália, um exemplo dessas pequenas resistências é a solidariedade entre as mulheres, como quando alguma entra na prisão e recebe apenas o kit da PFC, com alguns itens básicos de higiene, porém insuficientes para o mês. Até que as recém-chegadas tenham condições de comprar mais coisas, as outras mulheres se reúnem e “completam” o kit com outros itens úteis, além de roupas e o que mais for possível.
A questão do dinheiro por meio do trabalho é delicada pois, apesar da exploração, falta de segurança e salário pequeno, o trabalho, assim como as trocas, são outras formas de resistência dentro da prisão, além de uma forma de autonomia para poder comprar o que não é fornecido pelo Estado e ainda enviar para a família, que muitas vezes continua dependendo dela, mesmo depois da prisão.
O protagonismo da mulher em suas escolhas e formas de se afirmar como responsável por sua vida e de pessoas dependentes dela foi destacado por Nathália e complementado por Marina e Ana Carolina ao apontarem as tentativas de se reduzir tal papel. De acordo com elas é preciso entender que mulheres estão sendo presas por uma política “que não pune pelo crime, mas por uma seletividade, e que elas não são diferentes de nós” pois estão sujeitas aos mesmos papéis dentro e fora da prisão.
O que acontece é que, “para ser acolhida com garantia de direitos, a mulher deve se afastar do papel de criminosa” e, para Ana Gabriela Mendes, o “papel ideal” muitas vezes é ditado pelo juiz ou juíza na hora da condenação. Um exemplo citado foi um caso que a pesquisadora acompanhou, no qual o juiz optou por manter uma mãe presa em vez de conceder prisão domiciliar (recomendada a grávidas e lactantes pela legislação nacional e garantida a mulheres pelas Regras de Bangkok), porque a prisão seria um lugar melhor para ela criar a/o bebê do que o contexto onde estava inserida.
Segundo Ana Gabriela, a prisão vira uma política social, pois se prende pelo julgamento pessoal do juiz sobre como mulheres devem se comportar e criar suas filhas e seus filhos. “É um risco propor uma prisão com maior estrutura, pois fortalece seu papel na nossa sociedade”, completou.
Nesse sentido, é preciso questionar a eficácia de iniciativas como a arrecadação de absorventes, sem uma reflexão a respeito do sistema prisional em si, já que essa medida pode funcionar a curto prazo, mas não deve ser um objetivo final, pois pressupõe que mulheres continuem presas a longo prazo, incentivando a “melhoria” do cárcere em vez de incentivar o desencarceramento de mulheres.
“Eu não tenho os direitos previstos na Lei de Execução Penal garantidos. Se eu descumprir uma regra no meu regime aberto, vou presa. E quando descumprem meus direitos, o que acontece?”
Indagadas a sugerir soluções para o debate, Vivian Calderoni propôs que se reduzisse a porta de entrada do sistema carcerário, visto que o Brasil é o quarto país com a maior população encarcerada do mundo, e que se aumente a taxa de saída, já que o Brasil também possui uma taxa de crescimento de população carcerária maior que a dos mesmos quatro países que sucede no ranking.
No entanto, os pontos de ação foram problematizados por Giselia, que afirmou: “Existe uma máquina muito grande que beneficia o gestor e o Estado. Mas o que podemos fazer com essas informações sabendo que eles não têm medo?”. Ela, que saiu da penitenciária em janeiro e contou ter passado cerca de cinco dias sem água e testemunhado diversas violações de direitos dentro da prisão, reagindo a elas e recebendo mais punições como resposta, diz que para ela “a lei de execução penal é a mesma coisa que um conto de fadas”.