Por Anderson Lobo*
Há quinze anos, o Brasil passou a tratar com mais atenção a possibilidade de punir as pessoas sem necessariamente trancá-las em presídios superlotados. Confiando que se usava excessivamente a prisão devido à falta de alternativas e de fiscalização no seu cumprimento, foram criadas estruturas de acompanhamento dessas sanções não privativas de liberdade.
As penas e medidas alternativas, atualmente conhecidas por “alternativas penais”, foram sendo progressivamente fortalecidas como uma estratégia de superar o simplismo que clama “prisão para todos os envolvidos” e buscar meios mais inteligentes de resolver os conflitos sociais. Quinze anos depois, no entanto, a população prisional do Brasil mais que dobrou e espera-se um número ainda maior de pessoas cumprindo alternativas. Então, nos questionamos: por que as alternativas não reduziram o encarceramento?
São muitas as pessoas engajadas em fazer as alternativas alcançarem seu fim ideal, pessoas que abraçaram a causa desde 1984, quando as penas alternativas foram instituídas de forma ainda tímida na lei. Em 2000, o Ministério da Justiça criou um órgão para estudar o que já havia sido criado, formular uma política pública de expansão das alternativas e então incentivar os poderes locais a adotá-la de forma estruturada. Deu certo: nove anos depois, o Brasil já contava com mais de 400 centrais ou varas especializadas na aplicação de penas e medidas alternativas, ainda que a destinação de recursos para alternativas fosse de 5% do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) em 2011, valor 10 vezes menor daquele destinado apenas a estabelecimentos penais.
A legislação brasileira também foi bastante aperfeiçoada no que diz respeito à incorporação das penas e medidas alternativas. O país passou a contar com quase todas as alternativas sugeridas nos documentos internacionais, como prestação de serviço comunitário e outras restrições de direitos, adotando a “racionalidade” mais comum sobre o tema: prisão para crimes graves, alternativas para crimes pequenos. Os últimos avanços são recentes e ainda precários, como a lei das medidas cautelares – restrições diversas da prisão durante o processo –, aprovada em 2011 e ainda pouco aplicada, e o procedimento da audiência de custódia – primeiro encontro entre acusado e juiz em até 24 horas após a abordagem policial –, implementado de forma experimental desde 2014 e enfrentando muita resistência institucional.
Em 2008, 134 mil pessoas continuavam presas por crimes pequenos – como crimes de trânsito, brigas entre vizinhos, venda ambulante e receptação – e poderiam ter tido a restrição da liberdade trocada por uma alternativa penal, o que nos deixaria bastante próximos de desmontar a superlotação dos presídios de então. No entanto, outras 558.380 passaram a cumprir penas e medidas alternativas, ao mesmo tempo em que a população presa continuou aumentando. Havia um claro erro de mira, pois muitas das pessoas cumprindo alternativas sequer seriam presas anteriormente. O exemplo mais claro disso são as alternativas voltadas para usuários de droga, fato que desde 2006 não pode mais ser punido com prisão, mas que vem dominando a aplicação de alternativas em muitos estados.
Aparece assim uma ambivalência inerente às alternativas. De um lado, as alternativas penais podem ser uma maneira mais eficiente de punir, mais próximas daqueles ideais de ressocialização e uso da prisão apenas em último caso. Por outro lado, as penas e medidas alternativas não deixam de ser medidas punitivas, que restringem direitos e, como todas as medidas repressivas, são aplicadas seletivamente aos indivíduos mais vulnerabilizados. Adotando uma perspectiva mais favorável aos direitos humanos, as penas e medidas alternativas só se tornariam desejáveis por serem mais brandas que seu contraponto, a prisão. Retirado seu efeito de redução do encarceramento, as alternativas penais são mera expansão do controle penal do Estado.
Para atingir essa finalidade de redução do encarceramento, precisamos realizar o potencial já possibilitado pela legislação nacional, assim como vencer alguns obstáculos legais. Como foi dito acima, um panorama que sempre acompanhou a política de alternativas é a quantidade de pessoas presas que poderiam estar cumprindo penas ou medidas alternativas: atingir esse público é o primeiro objetivo necessário. Com a nova lei das cautelares, se torna gritante o uso abusivo e excessivo da prisão cautelar: tínhamos, em 2013, 216.342 homens e mulheres que pela lei deveriam estar livres ou cumprindo medidas restritivas se necessário, mas permaneciam na prisão.
A mera criação de alternativas, sem olhar diretamente para quem é preso no país e criar meios de retirar essas pessoas da prisão, acaba por criar mais degraus punitivos entre a liberdade e a prisão, com limitado potencial despenalizador. Enxergamos diversos obstáculos nesse sentido na legislação atual, entre os quais os limites muito pequenos baseados no tempo de pena, cujo máximo não passa de 4 anos. Considerando que as prisões brasileiras são compostas majoritariamente por pessoas acusadas de furto, roubo e tráfico, só os limites legais já excluem de início a maior parte desse público como potenciais recebedores de alternativas, mesmo não existindo uma inadequação real das alternativas para esses casos, ou, pelo contrário absurdo, uma adequação da prisão para esses casos.
Hoje a política de alternativas penais se encontra em disputa e a primeira evidência disso é a disputa do nome utilizado. A adoção do nome “alternativas penais” em contraponto a “penas e medidas alternativas” veio ressaltar que uma política penal diversa da prisão precisa ter um sentido, uma racionalidade e um ideal. Entendemos que o primeiro sentido dessa política deve ser o enfrentamento efetivo da centralidade da prisão na nossa sociedade, e isso somente será alcançado se aplicarmos as alternativas às pessoas que efetivamente costumam ser presas no Brasil. Fora disso, as alternativas penais não serão um sinônimo de alternativas à prisão, mas sim alternativas à liberdade.
* Anderson Lobo é advogado formado pela Universidade de São Paulo e pesquisador do ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
Texto publicado originalmente pela Revista Fórum.
Foto: Justificando