por Luísa Luz
Eu passei quase três anos coordenando o Projeto Estrangeiras do ITTC, que se dedica à atenção integral e à reivindicação de direitos para o grupo de mulheres estrangeiras encarceradas e egressas em São Paulo. Das muitas coisas que o trabalho tão particular que fazemos me ensinou, a importância de iniciativas que valorizam grupos que não são majoritários ou relevantes para o sistema de controle estatal é uma das boas lições aprendidas.
O ITTC ajudou a criar o tema das mulheres estrangeiras no estado de São Paulo. Na última década, ao mesmo tempo em que o encarceramento dessas mulheres tornou-se progressivamente maior, a organização passou a chamar mais atenção, a congregar mais pessoas e órgãos em discussões sobre políticas públicas, a reivindicar tratamentos penais e processuais igualitários e a propor medidas para diminuir o sofrimento agravado pela distância de seus familiares, imposta pelo Estado brasileiro.
Essa experiência me ensinou que a visão de uma organização, por exemplo, pode construir um cenário e modificá-lo.
Recém-chegada ao Panamá, eu ainda não sabia muito bem com o que me engajaria aqui. Fui selecionada para um programa de intercâmbio da Associação para a Prevenção da Tortura (APT) para defensores dos direitos das pessoas privadas de liberdade. A competição era com candidatos brasileiros e de Honduras. O programa é uma experiência formativa para aprender e contribuir com o trabalho regional da APT-América Latina de impulsionar a implantação de mecanismos nacionais de prevenção à tortura, nos termos do Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura.
Agora, mais uma vez, fica claro o que está em jogo e que nos próximos três meses eu ajudarei a desenvolver: inserir na formação de profissionais que fazem monitoramento de centros de privação de liberdade e membros dos mecanismos de prevenção à tortura o tema de gênero de uma maneira transversal. Construir, criar, difundir, insistir para que outros enxerguem a violência contra a mulher como algo que resulta não de uma casual escolha da vítima, mas de uma tradicional visão sobre a inferioridade da mulher, sobre seus papéis sociais aceitos (de mãe, de ser sem vida pública, de objeto sexual), visões que perpetuam a discriminação de gênero.
Nosso desafio é conseguir que não haja apenas um “olhar” para as mulheres. Temos que insistir para que se veja a categoria de gênero como estruturante das relações sociais para que as pessoas que trabalham com a prevenção à tortura saibam identificá-la também como uma forma de violência de gênero.
Em todo esse processo, a tarefa da APT – e das poucas organizações que querem pautar a importância de se trabalhar com a mulher privada de liberdade – me parece ser promover modelos de proteção à mulher e de promoção integral de seus direitos. Nessa iniciativa, destaca-se a importância das Regras de Bangkok para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, criada pelas Nações Unidas exatamente para evidenciar que mulheres são submetidas a formas específicas de tortura e maus tratos no sistema penitenciário e necessitam de mais que um mero olhar construído por um sistema social masculino e heteronormativo.