ITTC Recomenda: ‘Sintonia’ e a multiplicidade de experiências nas periferias

Nando, Rita e Doni são amigos de infância e cresceram juntos em uma comunidade fictícia da cidade de São Paulo. No início da vida adulta, os três passam a trilhar caminhos bastante distintos, mas sem deixar perder os laços de irmandade entre eles. Esta é história base da série Sintonia, que estreiou na Netflix no último dia 9 de agosto. Ela foi criada e dirigida por Kondzilla, um dos produtores musicais de referência no cenário funk brasileiro.

Nando (Christian Malheiros) já é casado e tem uma filha pequena com Scheyla (Julia Yamaguchi). Durante a temporada, ele busca conquistar espaço na carreira do crime e ser oficialmente um dos irmãos. ‘Adotado’ por um dos chefes do tráfico local, que se encontra encarcerado, Nando luta para lidar material e emocionalmente com as crescentes responsabilidades atribuídas a ele.

Rita (Bruna Mascarenhas) ganha a vida como ambulante, vendendo mercadorias nas estações de metrô. Sem relações com o pai e com a mãe falecida, sua família é Nando e Doni. A trajetória da jovem sofre uma nova reviravolta quando sua amiga e vizinha Cacau (Danielle Rodrigues), que a acompanhava em um dia de vendas, é detida por posse de maconha. Ameaçada pela mãe de Cacau, Rita encontra refúgio na casa da pastora Sueli (Fernanda Viacava), antiga amiga de sua mãe, e começa a se envolver mais com a religião.

Doni (Jottapê) tem uma vida mais confortável que os dois amigos, com pai e mãe presentes e melhor situação socioeconômica. O pai (Vanderlei Bernardino) é dono de uma mercearia do bairro e insiste para que o filho estude e “vire alguém na vida”. Doni, porém, sonha com um futuro diferente do qual o pai imaginou: quer cantar funk e virar MC. Quando ele consegue uma parceria com MC Dondoka (Leilah Moreno), sua carreira começa a decolar.

O trio de amigos ilustra três elementos de destaque dentro das favelas de grandes metrópoles: o funk, o crime e a igreja. Em entrevista para a Folha de São Paulo, Kondzilla declarou que a intenção da série é retratar “a vida real. Se a gente sair na rua agora, a gente encontra um dos personagens”.

Além dos protagonistas, Sintonia apresenta personagens que carregam outras representações e problemáticas. Um exemplo é Juninho, interpretado por Fabrício Araújo da Silva, ator e egresso do sistema penitenciário. Ele começa a série como gerente de uma das lojas do tráfico, mas o vício em cocaína acaba prejudicando suas operações e sua vida como um todo. 

A série também aborda, de forma um pouco tímida, como as oportunidades são diferentes para os protagonistas, em razão das diferentes realidades familiares, econômicas e raciais entre eles. Embora morem na mesma comunidade e tenham frequentado espaços semelhantes até a juventude, os três carregam estruturas diferentes. Em um dos episódios, Nando, um homem negro, questiona Rita: “Quando você se fode, tá todo mundo lá pra te ajudar. Quando o Doni se fode, tá todo mundo aqui pra ajudar ele. Quando eu me fodo, eu me fodo sozinho, tá ligado?”. Em outra ocasião, Doni reclama da falta de apoio do pai em relação a sua carreira no funk. Nando replica: “Irmão, na boa, cuida do teu pai, tá ligado? Seu Chico é mó firmeza. Eu queria ter um pai que nem o teu”.

O episódio piloto de Sintonia foi liberado por 48h no canal de Youtube de Kondzilla e, em três horas, atingiu mais de 100 mil visualizações; em todo o período, ultrapassou a marca das 500 mil. Tais números evidenciam o anseio da(s) periferia(s) por um conteúdo de destaque mais representativo e autêntico da sua realidade – considerando, inclusive, as diferenças regionais, uma vez que o audiovisual brasileiro historicamente explorou mais as favelas cariocas. A série de Kondzilla busca afastar-se de caricaturas e determinismos, criando personagens de complexidade envolvidos em trajetórias de alegria, dor e conflito essencialmente humanos. 

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ago 22, 2019 | Artigos, Noticias | 0 Comentários

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