Julgamento histórico: Representante do ITTC, Conectas, Pastoral Carcerária e Sou da Paz defende a descriminalização do porte de drogas no STF

Representando a Conectas, o ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania), a Pastoral Carcerária e o Instituto Sou da Paz, Rafael Custódio, coordenador de Justiça da Conectas, fez sustentação oral durante julgamento no STF de ação que julga a constitucionalidade do porte de drogas para consumo pessoal. As entidades são autoras de amicus curiae no processo – um documento que oferece aos ministros uma opinião técnica sobre o tema a ser apreciado.

Leia a íntegra do pronunciamento:

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente, Ricardo Lewandovski,

Excelentíssimo Senhor Ministro Relator, Gilmar Mendes,

Excelentíssimos Ministros e Ministras,

Excelentíssimo Procurador-Geral da República,

Primeiro, quero destacar o caráter histórico deste julgamento e, também, o impacto positivo no campo dos Direitos Humanos que a declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas pode ensejar.

Cabe lembrar, nesse sentido, que julgamentos recentes dessa Corte reafirmaram a importância do Supremo não só como intérprete da Constituição Federal, mas também como importante ator político na reafirmação dos Direitos Humanos na sociedade brasileira, como nos casos das cotas étnico-raciais em universidades públicas e o reconhecimento da união estável homoafetiva.

E mais uma vez é disso que se trata o julgamento de hoje, vez que a política proibicionista/antidrogas é um política institucional de violações dos Direitos Humanos.

Nesse sentido, importa denunciar que a Lei 11.343 de 2006 é mais um exemplo normativo que reflete a ideologia, ao menos no campo penal, da chamada “guerra às drogas”.

Para ficarmos em apenas alguns exemplos dessa lógica belicista da atual legislação, para além das penas altíssimas previstas, basta relembrar que o Supremo Tribunal já declarou inconstitucionais dispositivos draconianos da lei, como a proibição da concessão de liberdade provisória e a substituição da pena de reclusão por restritivas de direitos.

De qualquer modo, o fato é que a declarada “guerra às drogas” é, na verdade, uma guerra contra as pessoas e traz consigo, como elemento central, a necessidade da expansão ininterrupta do poder punitivo do Estado.

Pesquisas indicadas em nossa inicial e nos memorais entregues a Vossas Excelências comprovam que o alvo desse punitivismo antidrogas no Brasil tem um perfil claro: estão nas nossas cadeias os jovens, entre 18 e 29 anos, negros, com escolaridade até o primeiro grau completo e sem antecedentes criminais.

Além disso, essas mesmas pesquisas apontam que esse jovem é em geral preso sozinho, sem arma, com pouca quantidade de droga e sem que tenha havido qualquer atividade de inteligência policial para a sua prisão (são presos, via de regra, nas chamadas “rondas” das Polícias Militares).

Em outras palavras, Ministros e Ministras, é empiricamente comprovado que a lei antidrogas brasileira funciona, na prática, como um instrumento de criminalização da pobreza.

Cabe relembrar que nos quase dez anos de vigência da Lei de 2006, o número de presos por tráfico no Brasil passou de cerca de 35 mil em 2005 para 145 mil em 2013, um aumento de quase 345%.

Hoje, cerca de 27% dos presos do país respondem a algum crime da Lei de Drogas, e eram cerca de 11%!

Quando se faz o recorte de gênero, percebe-se que, no mesmo período de 2005 a 2013, o número de mulheres presas por esses delitos aumentou em aproximadamente 290%.

Hoje, incríveis 63% das mulheres encarceradas no Brasil estão detidas por esses delitos, segundo o Depen, número proporcionalmente três vezes maior que o de homens detidos pelos mesmos crimes.

Essa lei, mais uma vez sob debate neste Tribunal, consubstanciou-se em um dos principais motores de nossa política de encarceramento em massa, que nos leva ao vergonhoso ranking de 4ª maior população carcerária do mundo.

Ministras e Ministros, a suposta necessidade de tipificação do porte para uso de substâncias consideradas ilícitas parte de uma dupla abstração: 1) a busca por uma sociedade livre do consumo e 2) que o Direito Penal seria o instrumento para atingir esse fim.

Na busca por essa sociedade que consideramos fantasiosa, prende-se aos milhares os jovens, negros e pobres do país.

Nas palavras de Salo de Carvalho, “estes efeitos diretos do proibicionismo ganham efetiva relevância quando a assepsia dos números é transformada em biografia de pessoas de carne e osso que sofrem as consequências da política de drogas”.

Essas pessoas de “carne e osso” esperam que esse Supremo Tribunal Federal siga o fluxo da História, que hoje, envergonhada, finalmente caminha para a busca de outras políticas de drogas: menos violadoras, menos encarceradoras e menos seletivas.

Nesse sentido a descriminalização, ainda que judicialmente – como aliás ocorreu através da Suprema Corte Argentina em 2009 –, é uma das medidas que certamente redundará em impacto significativo, e positivo, no sistema de justiça brasileiro.

Finalizando, a Conectas, a Pastoral Carcerária, o ITTC e o Sou da Paz esperam que hoje Vossas Excelências caminhem no sentido de romper com a lógica belicista e seletiva da atual legislação antidrogas e o primeiro passo para isso é o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343 de 2006.

Obrigado.


Fonte: Conectas

Compartilhe

ago 20, 2015 | Mídia | 2 Comentários

Posts relacionados

ITTC - Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.