Manifesto contra a criminalização dos movimentos sociais e a violência policial

No dia 16 de setembro de 2014, uma Reintegração de posse que aconteceu na Av. São João, no Centro de São Paulo, chamou a atenção da sociedade devido à tamanha violência e repressão utilizados pela Polícia Militar.

O Hotel Aquarius, prédio reintegrado naquele dia, teve sua primeira ocupação feita em 2011, pelo Movimento Sem Teto do Centro. O mesmo movimento realizou nova ocupação que em março de 2014, o que originou nova ação de reintegração. Neste caso, a juíza concedeu prontamente a liminar com pedido de reintegrar a posse do imóvel, usando como fundamento o fato de que ainda existiam vestígios do direito dos proprietários, mesmo diante da situação de extremo abandono e subutilização do imóvel.

A injustiça se materializa no ato de reintegrar, palco da atuação de sempre da polícia militar, que se utilizou de todo o seu aparato de repressão para retirar à força os ocupantes do prédio. É uma pratica reiterada da PM em reintegrações de posse usar balas de borracha, e gás lacrimogênio para dispersar os moradores e obrigá-los a sair do local. Isso agravado pelo fato de acontecer na presença de crianças, gestantes e idosos. Com o caso do Hotel Aquarius não foi diferente.

Dentro da ocupação os militantes resistiram à repressão contra os policiais em virtude da força e da violência praticada contra os moradores. Militantes da Frente de Luta por Moradia foram até o local ajudar na remoção das famílias que habitavam a ocupação. Dois desses militantes, André e Adriano, foram brutalmente agredidos pela polícia Militar, tendo o primeiro a sua mão quebrada e o segundo, o rosto desfigurado.

Com o intuito de se esquivar de punição que eventualmente poderia recair sobre eles, os policiais denunciaram os rapazes por supostos crimes de resistência e lesão corporal. A partir disso, instaurou-se um inquérito, segundo o qual, após supostas investigações, eles foram  suspeitos e passaram a responder um processo penal pelos supostos crimes que teriam cometido.

É importante lembrar que isso tudo ocorre em um contexto no qual sabemos que a grande maioria dos presos do sistema carcerário brasileiro são negros e possuem entre 17 e 24 anos. Assim o jovem negro é identificado na figura de um “inimigo interno”, combatido e exterminado sem pena, uma vez que carrega o estigma do crime pela Polícia, dia após dia nas periferias do país. Ao longo da história do Brasil e do mundo, por muitas vezes vimos acontecer o que acontece hoje: a criação de uma imagem que atribui todo o mal da sociedade a um grupo marcado por sua baixa classe social, raça, e faixa etária.

Isso fica nítido quando se observa que os crimes mais recorrentemente cometidos por esse grupo são patrimoniais e/ou ligados ao tráfico de drogas, responsáveis por mais de 70% das incriminações de indivíduos presos no país.

Nesse sentido, cabe o questionamento de “a quem o direito penal serve?”. Enquanto estudantes de direito aprendemos que o direto penal existe para a proteção de bens jurídicos essenciais à sobrevivência humana, e que, mais do que isso, existem para limitar o poder punitivo do Estado e o monopólio da violência. No entanto, basta observar os dados da realidade, e do sistema penal brasileiro para perceber de forma rápida que isso é uma grande mentira. O Sistema Penal atual tem uma finalidade muito nítida aos olhos dos mais observadores: ele retira de circulação a população que não se mostra mão de obra útil e disponível ao capitalismo, formando um exército de reserva. Os sistema se perpetua por meio da criminalização da pobreza, a prova disso é que o cárcere é hoje preenchido quase que apenas por pobres. Pobres aos quais o Estado se recusa a destinar atenção e fornecer direitos básicos como saúde, educação e lazer, respondendo tardiamente as demandas dessa população com o cárcere.

Voltando ao caso em questão, vemos apenas a reprodução desse padrão de encarceramento tendo em vista que se tratam de dois militantes de um movimento social que luta pelo direito fundamental à moradia digna. Pode-se perceber com facilidade que o processo enfrentado pelos rapazes faz parte de um contexto maior de criminalização dos movimentos sociais que, recentemente, se materializa com a proposta legislativa de tipificação do terrorismo. A proposta é vista por juristas progressistas ao redor do país como um verdadeiro ato de terror legislativo, isso porque sob o pretexto do crime de terrorismo as garantias e direitos individuais dos suspeitos podem ser drasticamente reduzidos.

Num cenário onde vemos a polarização dos interesses de classe no cenário político nacional, não é difícil perceber quais serão os maiores atingidos pela medida: os movimentos sociais, porque causar o terror também é entendido como causar o medo ou pânico na população, conceitos subjetivos que variam de acordo com o lugar, contexto, e pessoas envolvidas nas manifestações. Afinal, nestes tempos, terror cometem aqueles que tomam as ruas por um mundo mais justo, não é mesmo?

Por fim, estamos aqui hoje reunidos nesse ato, para pressionar o poder público a respeitar nada mais do que os direitos constitucionais, sejam eles a liberdade ou a dignidade da pessoa humana entre tantos outros que são violados diariamente com a prisão de diversas pessoas inocentes, como é o caso dos dois rapazes presentes aqui hoje. Não podemos aceitar calados, estudante, juízes, movimentos sociais, extensões, que duas pessoas sejam presas por lutarem e após terem sido violentamente agredidas pela polícia, braço armado do estado.

Queremos com esse ato dar visibilidade a essa caso, e para além de pressionar o Judiciário para que se julgue a improcedente o pedido de prisão dos militantes, e que se cumpra sua função do poder público de proteger e garantir a segurança de todos os setores da sociedade e não só das classes dominantes às custas de prisões e assassinatos de milhares de pessoas inocentes.

Subscrevem:
Advogados Ativistas
Advogados Ativistas
Central de Movimentos Populares (CMP)
Centro Acadêmico de Pedagogia Paulo Freire (Pedagogia/USP)
Centro Acadêmico Iara Iavelberg (Instituto de Psicologia/USP)
Centro Acadêmico Luiz Eduardo Merlino (História/USP)
Centro Acadêmico Lupe Coltrim (Escola de Comunicação e Artes/USP)
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Coletivo Canto Geral
Coletivo Contraponto
Coletivo Desenredo
Coletivo Juntos!
Coletivo Pra’lém das Arcadas
Frente de Luta por Moradia (FLM)
Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC)
Juliana Cardoso – Veradora (PT/SP)
Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC)
Rede 2 de Outubro
Rede Amparar (Associação de Parentes de Encarcerados e Encarceradas)
Serviço de Assistência Jurídica (Saju) – USP

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mar 18, 2016 | Mídia | 0 Comentários

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