por Gabriela Justino – ITTC
A Lei nº 12.993/2014, sancionada pela presidente Dilma Rousseff e publicada em 18 de junho, modificou a Lei nº 10.826/2013, conhecida como Estatuto do Desarmamento. A alteração consiste na ampliação de situações em que é permitido o porte de arma, possibilitando que agentes penitenciários e guardas prisionais portem armas de fogo fora do exercício de suas funções.
O projeto de lei foi apresentado pelo próprio Poder Executivo em outubro de 2013 (tramitou na Câmara sob a identificação PL nº 6.565/2013 e no Senado como PLC nº 28/2014). A regulamentação contempla uma reivindicação recorrente dos trabalhadores da área, que a veem como uma forma de trazer mais segurança ao cotidiano dos profissionais e de enfrentar problemas decorrentes da superlotação de cadeias e penitenciárias.
A nova lei dispõe que “os integrantes do quadro efetivo de agentes e guardas prisionais poderão portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, desde que estejam: submetidos a regime de dedicação exclusiva; sujeitos à formação funcional, nos termos do regulamento; e subordinados a mecanismos de fiscalização e de controle interno”.
Retrocesso: a armadilha das respostas fáceis em políticas de segurança pública
A referida lei representa um retrocesso no campo de políticas de segurança pública e de controle de armas, indo de encontro a diretrizes democráticas até então consolidadas no âmbito do Poder Executivo federal, entre as quais se encontra a excepcionalidade do porte de armas.
Contraditoriamente, em episódios anteriores, a presidente Dilma já havia vetado a concessão de porte de armas aos agentes prisionais fora de serviço (como no caso do PLC nº 87/11, de autoria do deputado Jair Bolsonaro), alegando que sancionar esse tipo de projeto seria seguir “na contramão da política nacional de combate à violência e em afronta ao Estatuto do Desarmamento”.
Diversas organizações que atuam no sentido de concretizar um marco democrático de segurança pública e justiça criminal, incluindo o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, já se manifestaram sobre as contradições e problemas que envolvem esse tipo de regulamentação.
Em nota pública datada de 2013, tais organizações apontaram que “(…) a concessão de porte de armas aos agentes prisionais já é possível, desde que comprovada sua efetiva necessidade e atendimento dos requisitos previstos na lei (como atestado de capacidade técnica e psicológica)”.
Destacaram, ainda, a falta de efetividade desse tipo de medida na proteção dos trabalhadores: “(…) a melhoria das condições de trabalho dos agentes penitenciários não depende da concessão de porte de armas, muito pelo contrário. Ameaças e agressões a servidores do Estado são ameaças e agressões ao próprio Estado e, como tais, deverão ser combatidas por este através de suas estruturas adequadas e não entregando seus servidores à sua própria sorte com uma arma na mão. Esses profissionais possuem demandas muito mais prementes e legítimas, como melhores condições de trabalho e treinamento, número de agentes compatível com o volume de trabalho, dentre outras, que deveriam estar sendo discutidas e não estão. O porte de arma não pode ser tratado como paliativo para agradar uma categoria insatisfeita, já que o custo dessa concessão será alto para a sociedade”.
A diferença da lei agora aprovada reside na previsão de requisitos e de fiscalização e controle interno da utilização das armas, em oposição às redações mais abertas de projetos vetados anteriormente. No entanto, essa tentativa de contemplar uma reivindicação da categoria de trabalhadores e, ao mesmo tempo, se opor a discursos e práticas que sustentam a irracional ampliação do poder punitivo e confundem os papéis dos atores envolvidos no sistema de segurança pública não foi bem-sucedida, consubstanciando um retrocesso, já que tais mecanismos não se mostram suficientes para impedir os custos dessa concessão.
A sanção foi objeto de críticas das organizações Conectas, IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) e Sou da Paz, que enviaram nota de repúdio ao Planalto e classificaram como “lamentável” a “falta de compromisso com a política de controle de armas”.