Sistema carcerário, gênero e maternidade: sobre as decisões recentes de revogação da prisão preventiva para mulheres grávidas

Por Mariana Camara – Programa Justiça Sem Muros

Duas mulheres tiveram Habeas Corpus concedidos por decisões do STF, dada a sua condição de maternidade. As decisões proferidas pelo Ministro Luis Roberto Barroso e pelo Ministro Gilmar Mendes são precedentes favoráveis para a construção de uma cultura judiciária mais atenta às questões de gênero.

Ambas as mulheres fazem parte do perfil comum das mulheres presas no Brasil, tendo sido acusadas por tráfico de drogas: uma portava 225g de cocaína e a outra, 65g de cocaína e 11g de crack.

Gestante, uma delas veio a dar à luz uma menina na prisão. O bebê permaneceu com a mãe na unidade prisional, por conta da amamentação, até que a Defensoria Pública do Estado conquistou o direito à prisão domiciliar para a apenada.

É importante salientar que a concessão da prisão domiciliar, ainda que abra um precedente favorável para a atenção às questão de gênero e/ou maternidade, implica em percepção crítica do sistema carcerário brasileiro: as unidades não comportam tipo algum de acomodação – nem para as detentas, muito menos – para crianças e/ou bebês. Normalmente os berçários são celas improvisadas e possuem as mesmas condições de insalubridade que permeiam toda a unidade.

Foi indicado no Relatório da Subcomissão de Promoção e Proteção de Direitos Humanos que altíssima porcentagem das mulheres presas são mães e se encarregam de cuidar dos filhos. Não há, porém, políticas públicas adequadas no tratamento das presas ou para assegurar a manutenção dos vínculos familiares enquanto a mãe está detida. A vaga em estabelecimento adequado para receber a detenta e seu filho ou filha, por exemplo, é um dos direitos que não é assegurado para grande parcela de parturientes no sistema prisional.

O relatório sobre mulheres encarceradas no Brasil produzido pelo ITTC e outros parceiros indicou que 87% das detentas brasileiras têm filhos e que 65% delas são mães solteiras e não mantêm relações com o pai da criança – do que se pode depreender que a maior responsabilidade recai sobre elas.

A Assembleia Geral da ONU, na Resolução 58/18358 , recomendou que se direcionasse maior atenção às mulheres que se encontram na prisão, inclusive no tocante às relações com seus filhos. As Regras de Bangkok – regras internacionais formuladas pelas Nações Unidas – também determinam que os Estados desenvolvam opções de medidas e alternativas a penas especificamente voltadas às mulheres infratoras, considerando o seu histórico de vitimização e suas responsabilidades maternas.

A longa militância do ITTC pelos direitos das mulheres presas atesta que a realidade prisional das detentas é violenta e degradante: há abusos de poder, violência sexual, carência de atendimento médico, falta de privacidade e violências psicológicas. A violência a que as mulheres estão submetidas ultrapassa o sistema carcerário, atingindo o vínculo familiar: a relação tanto com os filhos quanto com as famílias aparece como muito importante para as mulheres, mas não é respeitada, mantida ou possibilitada pelo sistema prisional. A revista vexatória, a ausência de espaços adequados para visita e a falta de salubridade nas unidades, somadas, ainda, à ausência de políticas públicas com enfoque em gênero, dificultam a manutenção dos vínculo familiares. As mulheres, mais do que os homens, são acometidas por um distanciamento brutal de suas famílias.

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abr 8, 2015 | Sem categoria | 0 Comentários

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