Neste último texto da série Analisando o Infopen Mulheres 2017, o ITTC discute algumas das informações a respeito do acesso à saúde e educação nas unidades prisionais, com foco especial para o estado de São Paulo.
Acesso à saúde
A análise comparativa entre os relatórios do Infopen Mulheres de 2017 e 2016 sobre o acesso à saúde das mulheres revela a ausência de um dado de extrema relevância e que aponta para a precarização da saúde das mulheres que sofrem de doenças graves a partir do ingresso nas unidades prisionais. Em 2016, o relatório do Infopen apresentou uma tabela notificando a incidência de doenças a cada mil mulheres presas. Essa tabela foi denominada “Taxa de mulheres com agravos nas unidades prisionais” e listou os seguintes tipo de infecção: HIV, sífilis, hepatite e tuberculose.
É importante ressaltar que nem todas as unidades prisionais do país que participaram do levantamento em 2016 dispunham dessas informações, portanto não é possível saber da situação de saúde de todas as mulheres custodiadas naquele período. O relatório indica que os dados estavam disponíveis para 31.169 mulheres, o que significa a ausência de informações para 26% das mulheres em privação de liberdade.
No caso específico de São Paulo, o estado apareceu com um dos maiores índices de resposta: 92% das unidades prisionais participantes apresentaram dados sobre mulheres com agravo. De um total de 15.104 mulheres custodiadas no estado em 2016, 97% delas estavam em unidades com informações sobre a incidência de agravos.
Ainda que São Paulo apareça com taxas relativamente baixas em relação a alguns estados, como por exemplo a taxa de HIV de 28 mulheres para cada mil contra 162,9 para cada mil no Rio Grande do Sul, é importante ressaltar que esses números dependem da capacidade de diagnóstico e acesso à saúde das mulheres custodiadas. Assim, as taxas de alguns estados podem estar subnotificadas em função da falta de informações prestadas pelas unidades prisionais. O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, que em 2016 custodiava mais de 2.000 mulheres, não apresentou nenhum dado a respeito da incidência de agravo.
Apesar das limitações apresentadas pelo relatório de 2016, principalmente em relação à representatividade dos dados, consideramos um retrocesso a exclusão desta informação no relatório de 2017. Informações desse tipo são cruciais para reivindicar e monitorar o acesso a direitos da população em privação de liberdade, como acompanhamento médico adequado e oferta de medicamentos. Ainda, são também essenciais para a reformulação de políticas e fluxos relacionados ao atendimento das pessoas pelas redes de atenção e serviços de saúde municipais.
De 2016 para 2017 houve uma redução na porcentagem de mulheres custodiadas em unidades com módulos de saúde. Esse decréscimo ocorreu tanto no estado de São Paulo como a nível nacional.
Os dados apresentados em 2017 revelam uma tendência à precarização de acesso à serviços de atenção básica dentro das unidades prisionais, visto que aproximadamente 1/4 das mulheres presas no Brasil estão em unidades sem módulos de saúde.
Consideramos de extrema importância que as unidades prisionais possuam uma estrutura mínima de atenção básica à saúde, designada para identificar e avaliar casos e realizar encaminhamentos aos serviços especializados, conforme prevê a Lei de Execução Penal. Ainda sim, mesmo que o acesso à saúde nas unidades prisionais seja garantido por lei e que a assistência médica deva ser prestada em outro local caso o estabelecimento penal não disponha de estrutura necessária, o que se presencia nas unidades prisionais é a ausência de monitoramento em estágios iniciais da doença somado a uma grande dificuldade de acesso e burocratização pelo sistema penal às assistências médicas.
Outro dado relevante presente no Infopen Mulheres 2016 e excluído do relatório de 2017 é a quantidade de profissionais de saúde distribuídos nas unidades prisionais femininas e mistas. Em 2016, o Brasil contava com 1.493 profissionais da saúde para atender um total 42.355 mulheres em privação de liberdade.
Já o estado de São Paulo contava com 204 profissionais e 15.104 mulheres custodiadas. Olhando para a oferta de clínicos gerais e ginecologistas, o estado contava apenas com 8,61 e 5,96 desses profissionais, respectivamente, para cada 10.000 mulheres em privação de liberdade.
Devido à falta de informações no relatório de 2017, não é possível saber se a oferta desses profissionais foi alterada. Todavia, é importante lembrar que a falta ou a pouca oferta desses profissionais tem impactos não só sobre a saúde de pessoas em privação de liberdade, mas também contribui para a sobrecarga dos profissionais, sendo mais um passo na precarização dos serviços de atenção básica à saúde.
Mortalidade de mulheres
Acerca das taxas de mortalidade para cada 10 mil mulheres privadas de liberdade, os relatórios do Infopen Mulheres 2016 e 2017, estabelecem a seguinte divisão: (1) óbitos naturais decorrentes de problemas de saúde, (2) óbitos criminais, (3) óbitos por suicídio, (4) óbitos acidentais e, por fim, (5) óbitos com causa desconhecida.
Feitas as mesmas ressalvas metodológicas de que os dados coletados podem estar subnotificados por conta da taxa de participação e de respostas fornecidas pelas unidades prisionais, a análise comparativa revela que não houve alterações significativas em relação à São Paulo O aumento observado no período foi decorrente, principalmente, do aumento na taxa de óbitos naturais e causa desconhecidas (conforme demonstrado na tabela abaixo).
Os dados a nível nacional a respeito da taxa de mortalidade também não sofreram alterações significativas de 2016 para 2017. Contudo, em 2017 houve uma queda na taxa de óbitos por suicídio, apresentando o índice de 2,8 mortes a cada 10 mil mulheres presas, enquanto em 2016 essa taxa era de 4,8.
Ainda assim, chama atenção como as taxas de suicídio são maiores entre a população prisional. O relatório de 2017 aponta que, no Brasil, a taxa de suicídio é de 2,3 para cada 100 mil mulheres, já entre a população prisional feminina, essa taxa salta para 27,5 a cada 100 mil mulheres.
Considerando que os suicídios possam ser decorrentes de problemas de saúde mental, isso aponta para a importância de que as mulheres tenham acesso a profissionais das áreas de psicologia e psiquiatria, em especial quando verificamos a taxa de psiquiatras disponíveis para atendimento nas unidades prisionais na tabela anterior. Ainda, cabe ressaltar que os problemas de saúde mental comumente são agravados pelo próprio encarceramento, como superlotação das celas, distanciamento familiar, alimentação precarizada e falta de trabalho/atividades educacionais.
Educação
O relatório do Infopen 2017 ampliou as categorias que especificam as atividades educacionais realizadas dentro das unidades prisionais. Se em 2016 as únicas categorias eram “mulheres em atividade de ensino escolar” e “mulheres em atividades educacionais”, em 2017 passaram a ser “atividades de ensino escolar”, “mulheres em atividades educacionais complementares” e “mulheres em programas de remição pelo estudo através da leitura e do esporte”. Assim, em 2017, o Infopen Mulheres passou a mapear as atividades voltadas à remição de pena. Verifica-se nesse relatório que, em comparação às demais atividades educacionais, é esta atividade menos acessadas pelas mulheres nas unidades prisionais paulistas.
De forma geral, o acesso à educação contempla poucas mulheres no Brasil e no estado de São Paulo. Em 2017, o estado de São Paulo apresentou um decréscimo em relação ao ano anterior. Já no contexto nacional, não houve mudanças significativas.
Tendo em vista que a grande maioria das mulheres presas no Brasil tem baixa escolaridade, os dados revelam mais a incapacidade do Estado de prover atividades educacionais para a população prisional, do que a ausência de mulheres que necessitam de tais políticas. Além disso, atividades por remição por leitura e esporte contemplam apenas 3% das mulheres presas no Brasil, fazendo-se necessária a ampliação desse direito conforme a recomendação nº44 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Acesso ao trabalho
Em 2017 houve uma ampliação do acesso ao trabalho, tanto no estado de São Paulo como no Brasil. Em 2016, 24% das mulheres em privação no Brasil e em São Paulo estavam em atividades laborais. Já em 2017, essa taxa sobe para 33,6% no Brasil e 45,8% no estado. Entretanto, não é possível saber se esses dados de fato revelam uma ampliação na oferta de atividades laborais, ou apenas são reflexo de um aumento no número de unidades prisionais respondentes. Feitas as ressalvas diante da possibilidade de subnotificação, é importante destacar que, segundo o Infopen Mulheres 2017, o direito ao trabalho não contempla nem metade das mulheres custodiadas no estado de São Paulo, e excluí 2/3 das mulheres em privação de liberdade no Brasil.
Este dado é ainda mais preocupante se levarmos em consideração que muitas das mulheres em conflito com a lei são mães e encontravam-se em dificuldades financeiras antes de serem presas no país. Mantidas presas e sem oportunidades de trabalho, a vulnerabilidade imposta às famílias dessas mulheres tende ao agravamento em todos os aspectos, sociais, financeiros e de saúde. Inclusive, a relação entre pobreza, encarceramento e maternidade merece mais atenção por parte dos pesquisadores da temática diante da falta de dados consistentes dos relatórios como o Infopen Mulheres.
Ainda que a Lei de Execução Penal estabeleça que as atividades laborais desempenhadas por pessoas em privação de liberdade deva ser remunerada, não podendo ser inferior a 3/4 do salário mínimo, os dados indicam que esse direito continua a ser violado. De 2016 para 2017 houve um aumento significativo na porcentagem de mulheres que trabalham sem remuneração.
A redução da porcentagem de mulheres que recebem menos de 3/4 de um salário mínimo não necessariamente indica um avanço, visto que houve um aumento na porcentagem de mulheres que não recebem nenhuma remuneração. Agrupando os dados do relatório de 2017, 53,5% das mulheres presas no Brasil e em atividade laboral não recebem remuneração ou recebem menos que o estipulado pela legislação.
A inexistência de empregos com direitos sociais e a prevalência do trabalho precarizado nas prisões tornam o encarceramento em massa uma política lucrativa para setores do empresariado em função do baixo do custo da mão de obra, ao mesmo tempo que aprofunda os níveis de vulnerabilidade de pessoas presas. Caso haja um acidente de trabalho, por exemplo, a informalidade no trabalho faz com que estas pessoas estejam legalmente desprotegidas.
Esse quadro é ainda mais grave nos casos em que as mulheres eram as principais responsáveis pelos filhos antes da prisão e precisam enviar dinheiro para a família, como é o caso de grande parte das mulheres migrantes atendidas pelo ITTC.
Considerações finais
Tendo em vista as condições violadoras do cárcere, o ITTC é a favor do desencarceramento, valorizando alternativas não-penais para a resolução de conflitos. Contudo, diante da resistência de parte do corpo jurídico e político do país em relação a medidas desencarceradoras, consideramos crucial reivindicar a garantia de direitos essenciais destinados à população em privação de liberdade no país.
Os dados aqui apresentados indicam, de forma geral, a falta de capacidade do Estado brasileiro em prover políticas básicas de saúde, educação e trabalho para a população prisional feminina. A disponibilização limitada dos dados não permite analisar qual o perfil das mulheres que conseguem ter acesso, ainda que minimamente, à saúde, educação e trabalho e aquelas que são deixadas de fora. Neste sentido, além do preenchimento sistemático dos dados por parte de todas as unidades prisionais, ressaltamos mais uma vez a importância do cruzamento de informações, principalmente àquelas relacionadas aos marcadores sociais da diferença, como raça, gênero e idade.
Essa ausência de dados também impossibilita a avaliação e monitoramento das políticas ou a ausência delas nas unidades prisionais. Com isso, perde-se a oportunidade, principalmente por parte da sociedade civil, de proposição de alternativas que minimizem as condições precárias de acesso à saúde, educação e trabalho.
Por Gabriela Menezes e Violeta Pereira
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Infopen Mulheres 2017: O que mudou em um ano?
Olhando para o encarceramento feminino no estado de São Paulo
Encarceramento feminino em SP e marcadores sociais da diferença