por Luccas Cartocci – ITTC
“Escandalosa”. Foi essa a palavra utilizada por Atila Roque, diretor da Anistia Internacional no Brasil, para descrever letalidade da Polícia Militar (PM). Segundo dados do canal Ponte, a PM de São Paulo matou 424 pessoas apenas no primeiro semestre de 2014, o que representa uma alta de 62% em relação ao mesmo período de 2013. Diversas organizações como a ONU e a Human Rights Watch são enfáticas ao condenar a violência policial no Brasil, relacionando-a, inclusive, ao caráter militarizado da segurança pública.
Historicamente, a polícia brasileira possui altos índices de letalidade, padrão operacional militar de guerra baseado na construção social do inimigo e doutrina de segurança pública estruturada por uma lógica de repressão e controle das “classes perigosas”.
A seletividade pela qual opera o policiamento levou alguns movimentos sociais, em especial o movimento negro, a denunciarem como “genocídio da população pobre, negra e periférica” o processo vivido hoje no Brasil. Alguns dados sustentam essa hipótese: 1) Segundo o “Mapa da Violência”, o índice de homicídios de jovens negros é 250% maior do que o de jovens brancos; 2) dados da Ponte apontam que a zona leste da capital paulista é a região com maiores índices de letalidade policial: a ZL possui 35,5% da população da capital e concentra 43,75% das mortes por policiais. Também é aquela com a renda média mais baixa de São Paulo e conta com 4 em cada 10 pessoas que ganham até meio salário mínimo na capital.
Além disso, o modelo militarizado traz outra consequência: um processo intenso de contingenciamento e encarceramento e das populações periféricas.
A polícia militar e o encarceramento em massa por flagrantes
A grande maioria das prisões em São Paulo são prisões em flagrante decorrentes, principalmente, da ação ostensiva da PM. Das 44.360 prisões efetuadas na Capital paulista em 2013, 80% correspondem a prisões em flagrante. Mais uma vez, é majoritariamente sobre a população pobre, negra e periférica que incide a prisão em flagrante, uma vez que esse tipo atividade policial ostensiva baseia-se na abordagem de “pessoas suspeitas” e “áreas de risco”, o que se deixa impregnar pelos preconceitos de raça e classe existentes em nossa sociedade.
O processo de encarceramento constatado hoje no Brasil atinge cifras expressivas. Segundo dados recentes do CNJ, já temos a 3ª maior população prisional do planeta, com mais de 710 mil pessoas presas. Nos cárceres, 41% são presos provisórios, ou seja, sequer foram julgados. A elevada taxa de flagrantes se desdobra em elevada taxa de prisões provisórias. Dados do Instituto Sou da Paz mostram que em 87,9% dos casos converte-se prisão em flagrante em prisão preventiva, sob fundamentação muitas vezes abstrata e genérica, como “garantia da ordem pública”. Esse processo contribui para o quadro de superlotação carcerária e déficit de vagas no sistema, hoje de 354.244. O que deveria ser exceção – a prisão provisória – é regra.
A superlotação carcerária gera problemas dentro e fora dos presídios. Além do ambiente tenso e de constantes violações de direitos, o fortalecimento de facções criminosas deriva diretamente do caos prisional brasileiro.
Esse quadro põe em xeque qualquer política de segurança pública que almeje a redução da criminalidade e, ao mesmo tempo, baseie-se no aumento da população prisional.