Por Juliana Avila Gritti
“São gaiolas, e paredes, e pessoas ociosas. Você não tem nada. Só tem a parede e o ódio. Você entra de um jeito e sai pior” – Desirée Mendes
A citação acima está no vídeo Porque é melhor não prender, um dos desdobramentos do relatório MulhereSemPrisão. A declaração é de Desirée Mendes, ex-encarcerada que há seis anos responde em liberdade um processo sobre tráfico de drogas, e uma das convidadas do terceiro ConverSarau, da campanha ambientada no Sesc 24 de Maio “Encarceramento em massa é justiça?”, que teve como tema questões do cárcere relacionadas a mulheres.
Microempresária individual, arte terapeuta e chefe de confeitaria, Desirée foi presa onze vezes, a última em 2012. Após cada cumprimento de pena ela tentava refazer a vida, mas sem sucesso: “não tinha a força que tenho que hoje”. A gestação do seu último filho foi o grande ponto de mudança da sua trajetória, que a permitiu escrever para si mesma outra narrativa. “A sociedade não me deixou construir sonhos. Foi muito difícil ouvir que não tinha saída. Eu levo pancada até hoje, mas não vou deixar eles pararem meu sonho. Vão ter que me engolir”.
Hoje Desirée diz se sentir protegida e acolhida por várias organizações, entre elas o ITTC e a Defensoria Pública. A situação, porém, era bem diferente em 2002, quando esteve atrás das grades pela primeira vez. Mesmo quando em liberdade o estigma da prisão a acompanhava – aliás, nunca deixou de acompanhar: “as pessoas olham por fora, mas ninguém enxerga o que eu carrego atrás. Eu vou carregar isso para sempre”.
Ainda sobre o tema, mas sob outra perspectiva, a pesquisadora do ITTC Maria Clara d’Avila discorreu sobre a sua experiência de trabalho com mulheres em situação de cárcere. O primeiro apontamento da advogada foi sobre a marginalidade dada ao tema, que é tratado como anexo ao universo do sistema carcerário. Entretanto, a população feminina cresceu em grandes proporções desde o início da última década, especialmente após a Lei de Drogas de 2006: por volta de 55% entre 2000 e 2016. A taxa de aprisionamento, por sua vez, aumentou 455% no mesmo período.
Maria Clara explicou que, diferente do que os números podem sugerir, as mulheres não estão cometendo mais crimes, e sim sendo mais criminalizadas, em especial um recorte de grupo bem específico: jovens negras e sem estudo. Um dado impreciso nas análises oficiais diz respeito à quantidade de mães encarceradas, contudo, instituições como o ITTC acreditam que elas sejam maioria dentro das prisões. Para Maria Clara, essa conjuntura evidencia a seletividade penal do sistema.
A terceira convidada foi Kenarik Boujikian, desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, co-fundadora e ex-presidenta da Associação Juízes para a Democracia. A sua experiência com a temática do encarceramento feminino é de longa data, sendo uma das criadoras do grupo de estudos “Mulheres Encarceradas”, em parceria inclusive com a presidente do ITTC, Dra. Michael Nolan. A ideia do grupo surgiu depois de um seminário promovido pela OAB, no qual Kenarik defendeu o direito de mulheres também poderem receber visita íntima, prática comum entre a população masculina. Para a magistrada, esse era mais um dos reflexos da desigualdade de gênero latente na sociedade: “o preconceito de gênero, de raça, está presente no dia a dia, em todos os lugares, sem exceção. E piora muito dentro do sistema prisional”.
Kenarik compartilhou a história de Cintia, uma mulher presa em casa com menos de 1g de crack e condenada em primeira instância a quase oito anos de prisão. Na apelação em segunda instância, a desembargadora foi voto vencido e Cintia foi sentenciada a cinco anos de reclusão, ainda que não apresentasse antecedentes criminais e tivesse um filho sob sua responsabilidade. Kenarik afirmou que foi um caso emblemático na sua carreira, ilustrando o quanto a sociedade e o sistema de justiça tratam drogas como um tabu e não buscam compreender as reais razões do tráfico, especialmente sob a perspectiva de gênero.
A parte artística do evento ficou por conta das artistas do projeto Mulheres Possíveis, que atuam em colaboração com as detentas da Penitenciária Feminina da Capital. As integrantes explicaram algumas das dinâmicas feitas dentro da PFC e fizeram a leitura de um texto autoral usado em performance no Sesc Santana.