Entre as crenças mais populares a respeito do encarceramento de mulheres está a de que são presas por participarem de crimes realizados pelos seus companheiros, especialmente quando se fala em tráfico de drogas. Apesar de veículos de mídia e até estudiosos replicarem esse argumento, ele não se prova como regra. Reforçar essa argumentação é reduzir as mulheres a um papel menor daquele que elas realmente exercem.
Para falar dos motivos que levam as mulheres a serem presas, é preciso primeiramente entender o perfil majoritário dessa população: jovem, negra, de baixa escolaridade, acusada de crimes relacionados ao tráfico de drogas e com pelo menos um filho ou uma filha. O relatório MulhereSemPrisão: desafios e possibilidades para reduzir a prisão provisória de mulheres, lançado em 2017 pelo ITTC, observou também que é muito comum que as mulheres em situação de cárcere exerçam o papel de chefes de família, sendo as principais responsáveis pelos cuidados de suas crianças, e por vezes até de outros familiares. A ocupação profissional delas, em sua maioria, advém de atividades no mercado informal e/ou de baixa remuneração.
A partir de dados quantitativos e análise de dezenas de relatos, o relatório concluiu que “todas as vulnerabilidades se articulam na criação de um contexto em que determinadas atividades, apesar de serem criminalizadas, aparecem como um importante meio de sustento no contexto em que essas mulheres estão inseridas”.
Outro fator mencionado durante as entrevistas da pesquisa MulhereSemPrisão para justificar o envolvimento das mulheres com o crime foi entendê-lo como “uma forma de empoderamento, encontrando nestas um meio de se afirmar, de ocupar espaços públicos aos quais o acesso de mulheres é restrito”.
“[Trabalhar na venda de drogas era] muito gostoso, você conhece muita gente. As pessoas te tratam bem, você tem uma fama, querendo ou não. Você fica famosa na quebrada. ‘A mina lá, ó, vende droga boa’. [Você] chega em casa com felicidade.”
– MulhereSemPrisão, p. 70
No caso das mulheres migrantes em conflito com a lei, as motivações são semelhantes. As 10 recomendações para atuação junto a essa população, elaborada e lançada pelo ITTC em 2019, explica que elas são, em regra, “mães que figuram como as principais provedoras de seus lares, e que se encontram em cenários de pobreza e de crises político-econômicas em seus países. Como mulas do tráfico transnacional, são submetidas ao trabalho mais vulnerável na cadeia do tráfico”.
Segundo o Infopen Mulheres 2016, 62% das presas no Brasil respondem por tráfico de drogas ou associação ao tráfico. Entre as migrantes atendidas pelo ITTC, o número aumenta para 84%, de acordo com levantamento do nosso banco de dados. Pode-se observar, portanto, que a política de drogas é a principal responsável pelo aprisionamento de mulheres, a partir também de uma seletividade penal – mulheres negras e pobres. Dessa forma, o caminho do desencarceramento passa, obrigatoriamente, pela promoção do acesso a direitos para essa população.
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