ITTC na Audiência Pública Pena Justa sobre a ADPF n°347

No dia 29 de abril, Michele Ferreira, pesquisadora do Justiça Sem Muros, participou de uma audiência pública para discutir a ADPF n° 347.

As propostas do ITTC foram concentradas em três eixos principais de discussões, afim de construir contribuições acerca das questões de gênero no sistema carcerário. Os eixos escolhidos foram: eixo 2: a qualidade da ambiência, dos serviços prestados e da estrutura prisional; eixo 3: os processos de reabilitação e inserção social após a saída da prisão; e eixo 4: as políticas de não repetição do Estado de coisas inconstitucionais no sistema prisional

Em relação ao eixo 2, as sugestões foram:

  • Necessidade de facilitação de acesso à profissionais e tratamentos de saúde que respeitem às especificidades de gênero, sendo disponibilizados exames periódicos como papanicolau, pré-natal, mamografia, entre outros, tendo em vista que tanto os profissionais, quanto os tratamentos costumam ser pouco acessíveis e/ou frequentemente negados à população feminina privada de liberdade;
  • Garantia de condições adequadas para que mães e bebês possam conviver de forma saudável dentro das unidades prisionais, diminuindo o isolamento e a sobrecarga nas responsabilidades de cuidado. Isso inclui a melhoria da estrutura dos pavilhões, levando em consideração as diversas experiências de mulheridades e as necessidades específicas de gênero. Além disso, é crucial aprimorar a infraestrutura das celas maternas destinadas a mães grávidas e/ou com filhos, garantindo espaços que considerem adequadamente os contextos específicos, como o puerpério.
  • Garantia de fornecimento de itens de higiene para bebês e o acesso a serviços médicos pediátricos é uma necessidade urgente, tendo em vista que de acordo com dados do CNJ de 2022, 71% dos estabelecimentos prisionais não fornecem itens de higiene para recém-nascidos, e 24,4% não têm condições para oferecer acompanhamento pré-natal;
  • Asseguramento de oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos e outros cuidados básicos de saúde menstrual, tendo em vista que a regulamentação da do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, de 2021, que prevê em seu art. 3° mulheres privadas de liberdade como beneficiárias.
  • Aplicação da prisão domiciliar sempre que previsto em lei, com o comprometimento dos poderes judiciário e executivo na identificação das mulheres mães, gestantes e lactantes – o que sabemos que não é realizado atualmente de forma padronizada – sem a adição de critérios subjetivos não especificados na legislação, já que segundo dados do ITTC de 2019, 30% das mulheres potenciais beneficiárias da prisão domiciliar tiveram seu direito negado, permanecendo presas;
  • Garantia de recebimento do jumbo/ cesta pelas pessoas presas, tendo em vista que através dele, itens básicos de higiene costumam ser garantidos; além de que, nesse cenário, as mulheres geralmente recebem menos apoio econômico e familiar por serem elas mesmas as responsáveis financeiras e emocionais de suas famílias.
  • Obrigatoriedade de psicólogos nas unidades prisionais, que ofereçam psicoterapia, e não apenas realizem exame criminológico, tendo em vista, que segundo o Ministério da Saúde, esses profissionais não obrigatoriamente integram a equipe de atenção básica prisional.Respeito ao nome social declarado por pessoas LGBTQIAP+, conforme resoluções do CNJ, bem como a possibilidade de terapia hormonal, e obrigatoriedade para aquelas pessoas que passaram por cirurgia de transgenitalização, tendo em vista os perigos a saúde que a ausência da hormonização pode causar, tais como descontrole da glicemia e do colesterol, bem como, osteoporose.  
  • Garantia de alimentação saudável e nutritiva no sistema prisional, tendo em vista que as refeições servidas por vezes acabam fazendo com que a pessoa apenada adoeça, em razão da quantidade e dos condimentos fornecidos, como por exemplo, pessoas que desenvolvem pressão alta, pelo excesso de sal na comida. Ainda nesse sentido, sugerimos que seja construído um plano alimentar das prisões, que não exclua a população prisional dos marcos do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e que defina padrões mínimos de qualidade e quantidade considerando restrições alimentares (pessoas celíacas), e/ou especificidades (religião), conforme Lei 11.346/06, Resolução 03/2017 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a Resolução 27/2020 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, bem como as Regras Mínimas da ONU para Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson Mandela), mais especificamente a 22.
  • Necessidade de uma ampla transparência nos processos públicos de contratação dos fornecedores de alimentos, bem como uma rígida fiscalização em relação aos produtos fornecidos às unidades prisionais, visando a auto-sustentabilidade e priorizando sempre alimentos frescos, e não ultraprocessados. Nesse caso, temos o exemplo do projeto do próprio ITTC, de implementação de hortas como trabalho, que funcionava como remissão, e ainda contribuia na obtenção de hortaliças de qualidade;
  • Necessidade de fornecimento de água potável e própria para higienização, e que caso, em caráter excepcional, haja a necessidade de racionamento, que o mesmo ocorra por um período curto e noturno, e que os horários estabelecidos sejam cumpridos. Nesse viés, acreditamos ser importante fazer uma relação com o racismo ambiental, e observarmos como a população negra, acaba sendo a mais prejudicada também dentro do sistema prisional tendo em vista que é a maioria da população inserida dentro destes ambientes, assim como também é a maioria vivendo em locais sem saneamento básico e com condições de vida insalubres. Pontuar esse fato, é constatar como o  racismo é atualizado em todos os lugares a todo tempo, como por exemplo em periferias com menor acesso à água. 

Já em relação ao eixo 3, as propostas são as seguintes:

  • Estabelecimento e fortalecimento de diálogo por parte do Governo Federal com outros entes federativos, em especial com a esfera municipal, no intuito de se pensar no campo da cidade, e consequentemente trabalhar de maneira conjunta na elaboração e construção de políticas públicas de diferentes áreas que estejam articuladas, no caso, saúde, educação, transporte, assistência, trabalho e renda, habitação, entre outros. Nesse sentido, temos como exemplo, a Política Municipal de atendimento às pessoas egressas e seus familiares na cidade de São Paulo;
  • Necessidade de cumprimento das garantias previstas na Lei de execução penal, e fiscalização para que as mesmas sejam asseguradas, bem como pensar a possibilidade do trabalho para a pessoa apenada lhe proporcionar benefícios previdenciários básicos, como tempo de contribuição para aposentadoria;
  • Possibilidade de parcerias entre órgãos da administração pública estadual e municipal e as unidades prisionais, para que ocorram contratações específicas, sendo destinada uma porcentagem da reserva de vagas para pessoas que estão em privação de liberdade;
  • Necessidade de fiscalização e monitoramento das empresas contratadas, que empregam pessoas que estão em cumprimento de pena; 
  • Observar as particularidades das mulheres migrantes, tendo em vista as especificidades que elas enfrentam, tais como moradia, a barreira linguística, a questão do alvará de soltura, tendo em vista que muitas vezes o mesmo chega em horários que não compreendem o horário comercial, dificultando ou até mesmo impossibilitando que estas mulheres consigam lugar para se abrigar. Diante disso, seria interessante que as assistentes sociais das unidades prisionais realizassem articulações com equipamentos da assistência social para que essas mulheres recém saídas do cárcere e que não possuem lugar pra ficar, tivessem vagas garantidas em centros de acolhida, e consequentemente evitassem que elas ficassem mais tempo presas do que o necessário, que é o que acaba acontecendo em casos assim;
  • Importante que ocorra também uma articulação com outros órgãos, tais como IIRGD, para que essas pessoas saiam do sistema prisional sem nenhuma pendência em relação à sua documentação;
  • Assegurar uma verba ou transporte gratuito que possa ser disponibilizado a elas, no momento tanto da saída temporária, quanto ao receberem o alvará de soltura, tendo em vista a periferização das unidades prisionais que dificulta muito o deslocamento, e muitas das pessoas que estão presas e saem das unidades prisionais vivem longe do local no qual estavam encarceradas;
  • Válido pontuar que essas situações de ausência de suporte estatal, no momento em que as pessoas presas saem do cárcere, acarretam uma maior situação de vulnerabilidade, e consequentemente contribui para uma mudança de paradigma, tendo em vista que o papel que deveria ser assumido pelo estado, acaba sendo representado pelo poder paralelo, que por sua vez, acaba por vezes abusando da hipossuficiência desses egressos.

Por fim, em relação ao eixo 4, é importante reforçar três pontos:

  1. Há um grupo populacional específico que compõe historicamente a clientela carcerária: homens, jovens, sem escolaridade e negros.
  2. Especialmente após a promulgação da Lei de Drogas, o Brasil tem vivenciado uma explosão do encarceramento feminino. Entre os anos 2000 e 2019, houve um aumento de 700% no número total de mulheres presa, sendo que 65% delas são negras.
  3. O encarceramento não é política pública, apesar de muitas vezes ser tratado dessa maneira.

Nesse sentido, os apontamentos e recomendações do ITTC são:

  • Observar a questão das drogas como uma questão de saúde coletiva e de política pública, e combater qualquer instrumento legal criminalizante, tal como a PEC 45, tendo em vista que crimes associados ao tráfico de drogas, ainda que cometidos sem violência ou grave ameaça são os maiores motivadores de encarceramento em massa, atualmente;
  • Construção de uma política de reparação dentro do plano das violações de direitos nos espaços de privação de liberdade como um todo, em especial às prisões, objeto da ADPF.
  • Promover a criação de MEPCT (Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura) e CEPCT (Comitê Estadual de Prevenção e Combate a Tortura) em todos os estados da federação – em alinhamento com as diretrizes da resolução 13 do CNPCT (Conselho Nacional de Prevenção e Combate a Tortura).

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