Mulheres e tráfico de drogas: uma sentença tripla – Parte III

Esta é a última parte de uma série de textos que visa explicar o conceito de triplo sentenciamento* no processo de encarceramento feminino, algo que o ITTC tem visto na prática em seus 18 anos de atendimento às mulheres em situação de prisão.

Ao todo, foram três partes que trataram do tema sob diversos aspectos e, agora, disponibilizamos um infográfico que unifica os gráficos apresentados ao longo dos textos, reunindo diversas informações a respeito do tema.

Se ainda não leu, confira aqui a primeira parte da série e aqui a segunda.

Uma boa leitura!

Regras de Bangkok: uma luta necessária

Raquel da Cruz Lima**

Enfrentar o triplo sentenciamento das mulheres por tráfico de drogas envolve diversos desafios, sendo o primeiro deles a falta de informação e a invisibilização da temática. Nesse sentido, é simbólico que quando, em junho deste ano, o Ministério da Justiça enfim atualizou os dados sobre a população carcerária no Brasil, não tenha incluído em um relatório de 148 páginas qual é o número de mulheres presas no país. É fato que alguns dos dados contemplam um recorte de gênero – como a maior recorrência de delitos de drogas no aprisionamento de mulheres –, mas o que esse relatório demonstra é que o reconhecimento da relevância da problemática das mulheres presas não é tratado de forma sistemática e estrutural.

Nesse sentido, o Ministério da Justiça endossou a opção do Conselho Nacional de Justiça de ignorar a necessidade de distinguir entre mulheres e homens presos. O chamado Novo diagnóstico de pessoas presas no Brasil, publicado em 2014, utilizou uma metodologia própria – incluindo os presos em cumprimento de prisão domiciliar – e concluiu que a quantidade de pessoas presas no Brasil nos colocaria na terceira posição no vexatório ranking internacional dos países que mais prendem. Contudo, parece que a inovação do CNJ que gerou mais adesão metodológica foi a de não mencionar quantas entre as pessoas presas no Brasil são mulheres.

poetica

Em condição análoga de negligência estão as Regras de Bangkok, um documento aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas que aponta para o compromisso da comunidade internacional de priorizar alternativas à prisão de mulheres. A despeito de o Brasil ter participado ativamente das discussões sobre o seu texto, até hoje não há uma tradução oficial para o português produzida pelo governo brasileiro e o Judiciário nacional se mantém ignorante sobre o seu conteúdo. Somente quando os casos chegam ao Supremo Tribunal Federal, a Defensoria Pública de São Paulo tem conseguido a concessão de prisão domiciliar para mulheres grávidas ou com filhos pequenos, ainda que muitas sentenças não citem explicitamente a fundamentação nas Regras de Bangkok.

Militar pela aplicação e pelo explícito reconhecimento das Regras de Bangkok pode ser uma importante ferramenta normativa para a construção de novos paradigmas de política criminal e penitenciária. Elas podem fornecer o ponto de partida de que mais urgentemente precisamos para reverter o triplo sentenciamento de mulheres: a regra de não prendermos mais mulheres. Simplesmente por elas serem mulheres.

Infográfico para download

* O triplo senteciamento é um conceito trabalhado pela pesquisadora Corina Giacomello.

** Raquel da Cruz Lima é coordenadora do Programa Justiça Sem Muros, do ITTC, autora e fonte de diversos artigos postados no Blog ITTC.

Ilustração: Ivan Zancan

Foto em destaque: Juíza Dora Martins/Penitenciária Dacar IV

Clique aqui para ler a parte I

Clique aqui para ler a parte II

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ago 12, 2015 | Artigos | 0 Comentários

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