Mulheres migrantes na cidade de São Paulo e o direito à prisão albergue domiciliar

Por Viviane Balbuglio*

A prisão albergue domiciliar (PAD) é um direito previsto em lei[1] que tem um potencial desencarcerador para mulheres em situações relacionadas à maternidade, cuidado e gravidez. No contexto da cidade de São Paulo, torna-se extremamente importante também falar da efetivação deste direito às mulheres migrantes em conflito com a lei.

São Paulo é o município que mais aprisiona mulheres migrantes, em razão dos fluxos relacionados à prisão transnacional em vista das atividades ilícitas relacionadas a drogas, o que tem se dado especialmente em razão da proximidade do aeroporto internacional de Guarulhos à cidade. Nos últimos anos, o número de mulheres migrantes presas na cidade de São Paulo tomou diferentes proporções, chegando em 2013 a mais de 500 e, atualmente, a aproximadamente 300 mulheres em prisão preventiva ou regimes fechado e semiaberto.

Ao mesmo tempo que o número de mulheres migrantes em prisão em São Paulo foi se alterando com os anos, o número de mulheres migrantes egressas da prisão também foi aumentado a partir de outros fatores relativos ao acesso a direitos: progressão de regime de cumprimento de pena, reconhecimento de direitos na execução penal às pessoas migrantes (como liberdade condicional e regime aberto), acesso à documentação brasileira, entre outras situações que foram e continuam viabilizando a continuidade do cumprimento de pena em meio aberto.

Especificamente quanto à prisão albergue domiciliar, a principal questão que permeia o acesso a este direito é pensar: é possível também garantir a prisão domiciliar para mulheres “sem domicílio”? Embora a lei não seja expressa quanto a isso, a residência fixa é uma das exigências de juízes e juízas para o estabelecimento de medidas cautelares em detrimento da prisão preventiva. A comprovação de endereço e outras exigências formais, com o passar dos anos, se reflete ainda no Brasil como um mecanismo de negativa de direitos às pessoas migrantes em conflito com a lei.

A chave de resposta a esta pergunta é pensar as redes públicas municipais de abrigamento como alternativas à comprovação de residência fixa exigida pelo judiciário estadual e federal, sendo estes espaços possíveis locais de acolhimento às mulheres migrantes que cumprem pena em meio aberto, especialmente quando se tratar da prisão albergue domiciliar – atualmente a cidade de São Paulo possui abrigos especificamente voltados às pessoas migrantes, dentre eles há abrigos específicos para mulheres e crianças.

Esta é uma das propostas apresentadas pelo ITTC na Agenda Municipal para Justiça Criminal, neste sentido “as casas de acolhida do município devem funcionar como uma substituição temporária do domicílio – devendo fornecer comprovação de endereço para fins judiciais –  para as pessoas que não têm residência, até que tenham efetivado seu direito à moradia. Os locais de acolhida e abrigamento são uma substituição do domicílio e não da prisão, não devendo repetir sua lógica de controle.”

A defensora pública federal Ana Luísa Zago de Moraes relata em sua tese de doutorado Crimigração: A relação entre política migratória e política criminal no Brasil a primeira decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que aplicou a prisão domiciliar substitutiva da prisão preventiva, garantindo este direito a uma mulher romena sem domicílio fixo no Brasil. Após uma visita da Defensoria Pública da União (DPU) à Penitenciária Feminina da Capital (PFC) em 2012, a Defensoria realizou um pedido de conversão da prisão preventiva em albergue domiciliar e, para isso, apresentou ao TRF3 uma declaração de acolhimento do Centro Social Nossa Senhora Aparecida.

Com o passar dos anos, o ITTC tem acompanhado situações de mulheres gestantes e também com bebês nas unidades prisionais as quais tiveram e continuam tendo acesso ao direito à prisão albergue domiciliar, a partir de um trabalho de diálogo com as redes municipais de assistência social, as defensorias públicas e a depender da situação, o poder judiciário. A facilitação e o contato entre esses atores e atrizes e as redes municipais permitiram, em alguns casos, a liberdade conjunta para as mulheres e seus filhos e filhas ou até mesmo, permitiram que mulheres migrantes tivessem seus partos realizados em hospitais na cidade de São Paulo.

A prisão domiciliar, que recentemente teve suas hipóteses ampliadas pelo Marco Legal de Atenção à Primeira Infância, precisa ser vista como um direito para todas as mulheres em conflito com a lei, tanto mulheres presas provisórias quanto definitivas, brasileiras ou migrantes, com ou sem domicílio fixo.

*Viviane Balbuglio é pesquisadora do ITTC pelo Projeto Estrangeiras

[1] A prisão albergue domiciliar é prevista nos artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal (CPP) e no artigo 117 da Lei 7.210, a Lei de Execução Penal.

————

Leia mais sobre:

ITTC Explica: Qual a diferença entre prisão albergue domiciliar e o desencarceramento de mulheres?

Maternidade e prisão domiciliar

ITTC Explica: O que pode ser feito para diminuir o encarceramento feminino?

Compartilhe

jun 6, 2017 | Artigos, Noticias | 4 Comentários

Posts relacionados

ITTC - Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.