Já se passaram três anos da promulgação da Lei Estadual nº 15.552, de 12 de agosto de 2014, que proíbe expressamente a realização da revista íntima de caráter vexatório contra os visitantes de presos em estabelecimentos prisionais do Estado de São Paulo – resultado direto da pressão exercida pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos humanos.
A lei, contudo, permanece letra morta na extrema maioria dos presídios do Estado, onde a submissão das visitas de presos a métodos abusivos e humilhantes de inspeção corporal continua sendo a regra, apesar de transcorrido o prazo de 180 dias – previsto na lei – para a implementação dos recursos humanos e tecnológicos necessários à transição para práticas não vexatórias de revista.
De fato, desde 2014, apenas alguns presídios sob responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do Governo do Estado de São Paulo adaptaram-se ao modelo de revista mecânica, sem os métodos invasivos tornados proibidos pela mencionada lei: as quatro unidades que compõem o Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, as primeiras a receberem equipamentos de scanner corporal, assim como as Penitenciárias de Itirapina, no interior do Estado, onde a tecnologia foi implementada após determinação do juiz corregedor dos presídios locais.
Recentemente, o Departamento Estadual de Execuções Criminais (DEECRIM) da 4ª Região proibiu a revista íntima corporal nos presídios da região de Campinas, após ação civil pública movida pela Defensoria Pública, da qual resultou, também, a condenação da Fazenda Pública estadual a pagar a quantia de R$ 350.000,00, a título de danos morais coletivos, em favor do Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos.
No entanto, mesmo nessas unidades a revista vexatória contra os visitantes não foi totalmente abolida, pois são comuns as queixas contra essa prática nos períodos em que os equipamentos de scanner corporal encontram-se quebrados ou em manutenção, fato que, para nós, não é exceção.
Temos diante de nós, portanto, um manifesto estado de ilegalidade perpetrado pela administração pública, expressado pelo desprezo à dignidade de tantos familiares de presos – em sua maioria mulheres negras – que continuam tendo a revista vexatória como marca humilhante de suas duras rotinas.
Para justificar a continuidade desse estado de ilegalidade, o alto custo de implementação da tecnologia de scanner corporal é o principal argumento utilizado no discurso oficial, para o qual a segurança deve vir em primeiro lugar.
Porém, a justificativa de caráter orçamentário é baseada no medo, além de não encontrar respaldo legal ou constitucional, pode – e deve – ser questionada por não ter sua validade confirmada pelos fatos. Com efeito, de cada 10.000 revistas realizadas, cerca de duas acabam tendo como desfecho a apreensão de algum objeto ilícito, segundo dados divulgados no Boletim Informativo da Rede de Justiça Criminal em julho 2015.
Deve ser lembrado, também, que detectores de metal já fazem parte da revista-padrão realizada nos estabelecimentos administrados pela SAP desde antes de aprovada a referida lei. Sendo assim, a permanência dos métodos abusivos de inspeção corporal somente se justificariam por uma suposta eficácia no combate ao tráfico de drogas, que não seriam detectadas por aqueles aparelhos. Todavia, como já dissemos, essa eficácia não se verifica na prática.
Assim, a omissão do Estado se perpetua no tempo, levando diversas mães, esposas, crianças, adolescentes e idosos a se submeterem à humilhante violação de sua honra, saúde e intimidade cotidianamente.
Há queixas, inclusive, vindas de familiares de presos dos estabelecimentos da região de Avaré, de revistas vexatórias realizadas não só na entrada, como também na saída do ambiente prisional em dias de visita.
Não bastasse a lei estadual e a expressa proibição constitucional da extensão da pena além da pessoa do condenado, as famílias de presidiários/as têm de provar seu amor por estes/as sob duros tormentos e vexames, o que afasta muitas vezes o convívio e a assistência familiar, tão essenciais no terrível e desumano sistema carcerário brasileiro.
No atual cenário de descaso com a dignidade dos familiares de presos, poucas iniciativas de mudança efetiva são observadas da parte dos órgãos públicos. Apenas recentemente (23.06.2017) a SAP anunciou abertura de processo licitatório para a instalação de body scanners nas unidades prisionais do Estado.
Nota divulgada pela SAP em 18 de agosto divulgou o nome da empresa vencedora do tal processo, Nuchtech do Brasil Ltda., que assinou o contrato com a administração pública para instalar os equipamentos e a infraestrutura necessária para sua funcionalidade. Segundo a nota: “Após a assinatura, o contrato terá vigência por 30 meses, sendo no valor total de R$ 45.292.500,00. Contudo, a empresa só será remunerada de acordo com a efetiva realização do serviço.”
Infelizmente, a demora e o desinteresse do Poder Público na tomada de medidas efetivas contra a humilhação dos familiares de presos não é sentido somente no Estado de São Paulo. Trata-se de problema atual na realidade de praticamente todos os presídios do Brasil.
Recente é o anúncio feito pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, de que foi encaminhada à Procuradoria Geral da República pedido para que seja ajuizada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental com o objetivo de se obter decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a incompatibilidade da revista vexatória com as diretrizes da Constituição Federal.
Cabe lembrar, também, do Projeto de Lei nº 7764/2014, de autoria da Senadora Ana Rita (PT-ES), que propõe a alteração da disciplina da revista pessoal na Lei de Execução Penal, e cuja tramitação na Câmara dos Deputados encontra-se praticamente paralisada diante da conturbada conjuntura política do país.
Paralisada, porém, não está a luta das famílias constantemente violentadas, que seguirão pressionando o poder público pelo fim da revista vexatória.
Sigamos na luta!
Assinam:
AMPARAR – Associação de Amigos/as e Familiares de Presos/as
Grupo de Trabalho Mulher e Diversidade da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo
ITTC – Instituto Terra Trabalho e Cidadania