Nota Pública Contra a Privatização dos Presídios

A Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo e as organizações da sociedade civil abaixo assinadas vêm a público denunciar o projeto de privatização de unidades prisionais encabeçado pelo atual governo do Estado de São Paulo.

Como parte de um projeto mais amplo de encarceramento massivo há muito instalado no estado e no restante do país, a transferência da gestão dos presídios para o setor privado agrava o processo de barbárie, que se aproveita do sofrimento da população encarcerada como mais uma fonte de lucro para as empresas. Infelizmente, o processo de privatização avança também em outros estados, de modo que é necessária a resistência e o enfrentamento nacional.

Pessoas presas, pessoas que sobreviveram ao sistema penitenciário, seus familiares e amigos, organizações de direitos humanos e pesquisadores das mais diversas áreas, que conhecem de fato a situação do cárcere brasileiro, há tempos denunciam a falsa promessa de melhorar as condições de encarceramento e humanizar as prisões.

Atualmente, mais de 720 mil pessoas vivem em celas superlotadas, sob condições insalubres e sofrendo abusos e violências institucionais todos os dias. O Brasil é o terceiro país que mais encarcera no mundo. Só a população encarcerada no estado de São Paulo representa hoje um terço do total de pessoas presas no país, com taxas de crescimento e superlotação que demonstram a total falência e colapso desta política nas últimas décadas.

Com a privatização, mais uma vez o Estado, aliado às empresas interessadas, promete melhorias e uma prisão mais humanizada. São promessas que acompanham a prisão desde seu surgimento e não resultam na diminuição da violência. No Brasil, a privatização das unidades prisionais acompanha e aprofunda as violações sistemáticas de direitos do processo de encarceramento em massa.

Nos estados brasileiros em que já existem experiências de privatização das unidades prisionais, como Maranhão, Amazonas e Minas Gerais, acumulam-se, de um lado, denúncias de tortura e massacres, e, de outro, as altas taxas de lucro das empresas que fazem do cárcere um negócio.

Um dos piores massacres já registrados em uma penitenciária brasileira ocorreu no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ), no Amazonas, operado no modelo de cogestão com a empresa Umanizzare, resultando em 56 mortes.

Para cada preso custodiado nessas unidades do Amazonas, o Estado paga às empresas quase três vezes mais do que o valor informado pela SAP sobre o gasto com cada preso em São Paulo – estado com o sistema mais caro do país – e não se sabe onde esse valor é investido, uma vez que, ainda assim, familiares de pessoas presas precisam dispor de suas rendas para fornecer itens básicos, como produtos de higiene e alimentação, para garantia da sobrevivência dos presos e presas.

Na mesma linha, vale lembrar que no Complexo de Pedrinhas, no Maranhão, foram registrados mais de 60 mortes entre 2013 e 2014. Durante esse período de massacres, a maioria de seus serviços eram privatizados, até a segurança do complexo era feita por agentes privados mascarados e militarizados. Esses são alguns exemplos dentre as muitas denúncias de tortura e outras violências em prisões administradas por empresas privadas. Soma-se a isso a pior remuneração dos agentes penitenciários, em relação às unidades do Estado, um menor tempo de experiência e treinamento, além de maior rotatividade e instabilidade na função, devido à troca constante de funcionários.

Essas unidades também são mais difíceis de fiscalizar, devido às barreiras à transparência da gestão e à imposição de mais limites de acesso para familiares e organizações de direitos humanos, que auxiliam nas denúncias de violações nesses espaços. Ou seja, a privatização significa o agravamento da já conhecida lógica do encarceramento em massa e das violações de direitos.

O governador João Dória toma o Estados Unidos como modelo, com um discurso de eficiência e redução dos custos que seriam a marca de tal política. No entanto, relatório do Departamento de Justiça dos EUA de 2016 informa que os presídios federais privatizados não representaram redução de custos e registraram mais casos de agressões.

Setores importantes do movimento negro americano cada vez mais têm apontado para a relação entre a escravidão e a privatização das prisões, visto que presos e presas são entregues para empresas como mão de obra a ser explorada. A partir desse entendimento, a militância antiprisional norte-americana se tornou ator central na luta pelo desencarceramento e os EUA iniciaram um processo de redução da população prisional nos últimos anos. Essa reversão sim poderia nos servir de referência.

Empresas privadas que ganham com o sofrimento de pessoas encarceradas e dos seus familiares, como qualquer negócio, querem sempre aumentar os seus lucros. Cabe ressaltar que atualmente se desenham diversas propostas de aprofundamento do encarceramento em massa, como o Pacote Anticrime apresentado pelo Ministro da Justiça, Sérgio Moro, e medidas propostas pelo atual ministro do STF, Alexandre de Moraes.

Aliados, a proposta de privatização e a possível aprovação destes Pacotes operam uma lógica perversa em que, quanto mais presos houver, mais dinheiro essas empresas recebem, afinal, transforma-se a gestão prisional em fonte de lucro e os presos em mercadoria.

Reflexo disso é o caso do Complexo de Ribeirão das Neves, considerado exemplo da privatização no Brasil, em relação ao qual o governo de Minas Gerais garantiu o preenchimento de 90% das vagas até o término dos quase 30 anos de duração do contrato. Caso não ocupadas, as vagas serão de qualquer forma pagas pelo Estado.

Medidas de reforma do sistema prisional, como aumentar o número de vagas e privatizar presídios não são solução para os problemas gerados pelo encarceramento em massa. Pelo contrário, apenas alimentam a expansão de uma política criminal genocida, forjada para gerir a desigualdade que estrutura o país, criminalizando e lucrando com os que mais têm sido atingidos pelo desemprego, pela miséria e pela fome no país.

Não há dúvida da tragédia que o sistema carcerário brasileiro representa, mas é preciso ter clareza de que se trata de um projeto político. A construção de alternativas a essa realidade, se não passar por um real compromisso com o desencarceramento e não for feita de baixo pra cima, sobretudo com os sujeitos mais atingidos por esse sistema, estará fadada ao fracasso, e não há exemplo mais perigoso que o da privatização.

Diante desse cenário, a Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo, junto às entidades abaixo assinadas, defendem medidas concretas para a redução da população prisional do país, em oposição ao projeto de construção e privatização de presídios, além da garantia integral de dignidade para as pessoas presas e a seus familiares.

 

FRENTE ESTADUAL PELO DESENCARCERAMENTO DE SÃO PAULO

• A Craco Resiste
• Advogados pela Democracia, Justiça e Cidadania – ADJC
• Assessoria Popular Maria Felipa/MG
• Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia – ABJD – Núcleo SP
• Associação Cultural CONPOEMA
• Associação das/os Assistentes Sociais e Psicólogas/os do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
• Associação de Amigos e Familiares de Presos/as – AMPARAR
• Associação de Apoio aos Presos, Egressos e Familiares – APEF
• Associação de Juízes para a democracia (AJD)
• Blog NegroBelchior
• Brigada Metal Antifa
• Central Sindical e Popular CSP
• Centro Acadêmico de Serviço Social Carolina Maria de Jesus, da FMU
• Centro Acadêmico XI de Agosto/FDUSP
• Centro de Defesa de Direitos Humanos Carlos Alberto Pazzini
• Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais (CPECC/USP)
• Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama
• Coletivo Ação Consciente
• Coletivo Antônia Flor
• Coletivo Artístico Literário Encontrão Poético
• Coletivo Conspiração Socialista
• Coletivo DAR – Desentorpecendo a Razão
• Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos/CADHU
• Coletivo de Negras e Negros Raízes da Liberdade
• Coletivo Direito Pra Quem?
• Coletivo Em Silêncio RJ
• Coletivo Enfrente
• Coletivo Feminista Yabá
• Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP
• Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP
• Comitê de Resistência do Grajaú
• Comuna – PSOL
• Comunidade Cultural Quilombaque
• Conectas Direitos Humanos
• Conlutas São Paulo
• Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana/CONDEPE
• Crianças e Adolescentes com Familiar Encarcerado – CAFE’s
• Democracia Corinthiana
• Desabotoar Núcleo de Justiça Restaurativa Comunitária
• Educafro Brasil
• Eu sou Eu
• Forum Grita Baixada
• Frente Distrital pelo Desencarceramento/DF
• Frente Estadual pelo Desencarceramento/MG
• Frente Estadual pelo Desencarceramento/RJ
• Frente Povo Sem Medo
• Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP
• Grupo Cárcere, Expressão e Liberdade (CEL) – UNESP Franca
• Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade/MG
• Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Sociedade Punitiva, Justiça Criminal e Direitos Humanos (GEPEX-DH) -UNIFESP/Baixada Santista
• Grupo de Pesquisa em Segurança, Violência e Justiça da UFABC – SEVIJU
• GT Presos Estrangeiros da Defensoria Pública da União em São Paulo – DPUSP
• Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM
• Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD
• Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC
• Juventude Manifesta
• Kilombagem
• Leitura Liberta – grupo autônomo CPP Butantã
• Liberta Elas
• Luta Popular
• Mães de Maio
• Mandato da Bancada Ativista
• Mandato da Deputada Estadual Isa Penna
• Mandato da Deputada Federal Samia Bomfim
• Morato Legalize
• Movimento Nacional da População em Situação de Rua – MNPR
• Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua – MNMMR
• Movimento Negro Unificado – MNU SP
• Movimento Passe Livre/MPL-SP
• Movimento Policiais Antifascismo – SP
• Movimento RUA – Juventude Anticapitalista
• Movimento Travessia – Direito USP
• MP TRANSFORMADOR
• Núcleo de Direito à Cidade – FDUSP
• Núcleo de Estudos e Teoria sobre Prática de Greve no Direito Sindical Brasileiro – NETEP-USP
• Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e Igualdade Racial da Defensoria Pública de São Paulo
• Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo
• Núcleo Especializado dos Direitos das Pessoas Idosas e com Deficiência da Defensoria Pública de São Paulo
• Partido Socialismo e Liberdade – PSOL SP
• Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo
• Pastoral Carcerária Nacional
• Pastoral da Mulher Marginalizada Nacional (PMM)
• Pretas em Movimento/MG
• Projeto Meninos e Meninas de Rua – PMMR
• Quilombo Invisível
• RAIZ – Movimento Cidadanista
• Rede de Resistência e Proteção Contra o Genocídio
• Rede Feminista De Juristas – DeFEMd
• Rede Nacional de Advogados Populares – RENAP
• Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas – RENFA
• Revista Amazonas
• Sarau Blackout
• Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Anti Cárcere (SAJU – USP)
• Setorial Jurídico do PSOL SP
• Sindicato dos Advogados e Advogadas de São Paulo
• T.Ar Raizes
• Uneafro Brasil
• Vila Prudente Sem Medo

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maio 6, 2019 | Noticias | 0 Comentários

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