Nós, movimentos sociais e organizações da sociedade civil que compõem a campanha “Pacote Anticrime: Uma solução Fake” manifestamos profunda preocupação com a votação do Projeto de Lei 6.341/2019, o chamado “Pacote Anticrime” pelo Senado Federal. Se aprovado, o Projeto contribuirá com a violência dentro e fora dos muros, agravará o encarceramento em massa e multiplicará as violações de direitos das pessoas presas e seus familiares.
Desde início da tramitação da proposta, classificada como uma solução falsa, temos demandado a rejeição do projeto e o aprofundamento do debate sobre violência, segurança pública e o sistema de justiça criminal do Brasil.
Como se sabe, o projeto foi concebido sem que houvessem estudos aprofundados sobre seu impacto o que pode agravar as já precárias condições das unidades prisionais do país.
A partir da mobilização popular e da incansável resistência e luta de diversas organizações, em especial dos familiares e vítimas diretas da violência estatal, que se conjugou com o importante papel desempenhado por parlamentares atentos a essas demandas no GT Penal da Câmara dos Deputados, foi possível retirar do texto propostas como a “licença para matar”, o “plea bargain”, as audiências de custódia por videoconferência (que impediriam, por exemplo, averiguar se os custodiados foram submetidos a tortura) e a “prisão em segunda instância”.
Foram, contudo, mantidos graves retrocessos que ainda colocam em risco a vida especialmente da população negra, pobre e periférica. Em que pese o GT Penal ter conseguido incorporar ao texto aprovado na Câmara dos Deputados propostas que visam reduzir a prisão provisória e outros abusos do Poder Judiciário, medidas afetas a execução da pena, que restringem ainda mais direitos foram aprovadas como as afetas a progressão de regime de cumprimento da pena, ao banco genético, à saída temporária e ao contato de familiares com a pessoa presa, o aumento do tempo máximo de cumprimento de pena, bem como, as regras mais rígidas ao regime disciplinar e presídios federais. Além disso, propostas já consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal e rejeitadas a princípio pelo Grupo de Trabalho, foram reincorporadas na votação final do Plenário da Casa, como a vedação à liberdade provisória de reincidentes e a possibilidade de flagrante com agente policial provocador. Tais propostas não enfrentam as causas da violência ou as deficiências do sistema de justiça e reforçarão o racismo estrutural que marca o sistema de justiça criminal.
Vale ressaltar que, após incidência de diversas organizações dessa Campanha, tanto a Presidente da CCJ, como o Presidente da Casa firmaram compromisso em assegurar o debate da matéria, que já tramitava por meio do PL 1864/2019. Certamente, uma única audiência pública não foi suficiente para atender a este compromisso, especialmente, porque avaliamos a necessidade de ainda discutir, dentre outros, os seguintes pontos
1) Aumento do tempo máximo de cumprimento de pena de 30 para 40 anos – Art.75 do CP;
2) Presunção de patrimônio do acusado e seus familiares como proveito do crime – Art. 91-A CP;
3) Aumento de pena para crimes contra honra praticados contra pessoas do art. 141, via redes sociais (triplo) CP;
4) Aumento de pena para roubo com arma branca – art. 175, VII CP;
5) Vedação da liberdade provisória a reincidente, organização criminosa armada ou milícia – parágrafo 2º do art. 310 CP;
6) Prisão imediata após decisão do Tribunal do Júri em condenações acima de 15 anos – Art. 492 CP;
7) Agente Policial disfarçado / agente provocador e flagrante preparado – Lei de Drogas (Art. 33, §1º, inciso IV Lei de Drogas) e Armas (Art. 17 § 2º e Art. 18 Parágrafo único – Estatuto do Desarmamento);
8) Ampliação das hipóteses de prisão preventiva – incisos VI, VII e VIII do Art. 313 CPP – “quando as circunstâncias atuais do caso evidenciarem a necessidade da medida’ e “se o agente for reincidente” e “crimes praticados no âmbito de organizações criminosas”;
9) Ampliação das hipóteses de Banco DNA e implicação da falta grave pela recusa de fornecimento de material genético – art. 9A e art. 50, inciso VIII LEP;
10) Aumento do prazo do RDD e prorrogação indefinida em caso de “perfil criminoso”, restrições a direitos a visitas, correspondências e outros – Art. 2º LEP;
11) Aumento dos lapsos para a progressão de regime – Art. 112 LEP;
12) Vedação da saída temporária a pessoa condenada a crime hediondo com resultado morte – Art. 122 LEP;
13) Terminologia “conduta criminal habitual, reiterada ou profissional”- Art. 28-A, § 2o., inciso II CP (vedação do acordo de não persecução penal) e Art. 8A – Lei 9296/96 – Parágrafo 3o. Captação ambiental – Art. 8-A §3º da Lei 9296/96 (renovação da autorização da captação ambiental em caso de “atividade criminal permanente, habitual ou continuada”);
14) Restrições a visitas, banho de sol e outros direitos de pessoas presas em presídios federais (art. 3º) e possibilidade dos estados construírem unidades equiparadas ao sistema federal (art. 11B) – Lei 11671/2008. Para isso, conclamamos as Senadoras e Senadores que rejeitem o PL 6.341/2019 em Plenário, ou, alternativamente, que assegurem que esta matéria seja debatida exaustivamente nessa Casa Parlamentar, com a devida participação da sociedade civil, acadêmicos, especialistas, bem como a elaboração de estudos sobre impactos das medidas e todo repertório que qualifica o processo legislativo para uma decisão responsável sobre uma matéria que impactará diretamente a vida da população brasileira.
Assinam esta carta:
342 Artes; ABRACRIM – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas;
ADPERJ – Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro; AJD –
Associação Juízes para a Democracia; AMAR Amparar – Associação de Amigos e
Familiares de Presos; ANADEP – Associação Nacional das Defensoras e Defensores
Públicos; APADEP – Associação Paulista de Defensores Públicos; ASDPESP – Associação
de Servidores e Servidoras da Defensoria Pública do Estado de São Paulo; Associação
Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD; Associação de Apoio aos Presos, Egressos
e Familiares (APEF/DF); Brigadas Populares Campanha contra Criminalização de
Movimentos Sociais da Comissão Justiça e Paz Casa Fluminense; CEJIL; Centro
Acadêmico 22 de Agosto; Centro Acadêmico XI de Agosto; Centro de Assessoria Popular
Maria Criola; CESeC/UCAM – Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da
Universidade Candido Mendes; Círculo Palmarino/ES; COADE – Coletivo Advogad@s
para Democracia; Coletivo Em Silêncio; Coletivo Papo Reto; Coletivo Transforma MP;
Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia; Comissão de
Política Criminal e Penitenciária da OAB; Comissão DH/OAB-SP; Comissão Justiça e Paz
de São Paulo; CONDEGE – Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais; Conectas
Direitos Humanos; Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais; Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro; Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul; Educafro;
Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro; Fórum Grita Baixada; Frente de Evangélicos pelo
Estado de Direito; Frente Distrital Pelo Desencarceramento (DF); Frente Estadual pelo
Desencarceramento RJ; Frente Estadual Contra a Redução da Idade Penal de Rondônia;
Frente Interreligiosa Dom Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz; Grupo de Advogados
pela Diversidade Sexual e de Gênero; Grupo Eu Sou Eu- reflexos de uma vida na Prisão;
Grupo Tortura Nunca Mais RJ; IBADPP – Instituto Baiano de Direito Processual Penal;
IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais; IDDD – Instituto de Defesa do Direito
de Defesa; IDEAS – Assessoria Popular; Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre
Drogas; Instituto Probono; Instituto Sou da Paz; ISER – Instituto de Estudos da Religião;
ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania; Justiça Global; LADIH – Laboratório de
Direitos Humanos da UFRJ; Mães da Leste; Mães de Maio; Mães de Maio do Cerrado;
Mães de Maio do Nordeste; Mães de Manguinhos; Mães do Curió; Mães Mogianas;
Maré 0800; MEPCT/RJ – Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio
de Janeiro; Meu Rio; MNU – Movimento Negro Unificado; Movimento Moleque;
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua; MTST – Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto; NESC – Núcleo Especializado de Situação Carcerária da
Defensoria Pública do Estado de São Paulo; Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas
da Universidade Federal Fluminense; Observatório de Favelas; Ouvidoria Geral da
Defensoria Pública do Rio de Janeiro; Pastoral Carcerária Nacional – CNBB; PBPD –
Plataforma Brasileira de Política de Drogas; Rede de Comunidades e Movimentos contra
a Violência; Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio – São Paulo; Rede Feminista de
Jurista; Rede Quilombação; Redes da Maré; Renap – CE; RENFA – Rede Nacional de
Feministas Antiproibicionistas; RJC – Rede Justiça Criminal; SASP – Sindicato dos
Advogados do Estado de SP; UNACRIM; Uneafro; Vozes de Mães e Familiares do
Socioeducativo e Prisional do Ceará.