Presídios Público-Privado: solução radical ou outro problema?

por Ana Navarrete e Raquel Lima

Projeto Justiça Criminal

comunica@ittc.org.br

créditos: Carlos Alberto - MG

créditos: Carlos Alberto – MG

A situação de caos do sistema carcerário brasileiro não é novidade pra ninguém. Violações de Direitos Humanos são noticiadas quase que diariamente, como se fossem consequências inevitáveis do ingresso de uma pessoa no sistema prisional. Infelizmente, para uma parte da opinião pública e da grande mídia, a classificação de uma pessoa como criminosa passa a justificar que ela seja tratada de forma desumana e degradante, ainda que isto seja ilegal.

As causas para a indignidade vivenciada nas prisões brasileiras são diversas, mas a superlotação relacionada à falta de recursos financeiros é uma das justificativas mais utilizadas pelos políticos. De fato, o investimento no sistema penitenciário é um assunto ausente dos debates eleitorais, como se o candidato que falasse em gastar dinheiro com presídios estivesse abandonando o cuidado com outras áreas, como saúde e educação. Por trás deste silêncio, estão discursos que opõem o trabalhador ao criminoso, o cidadão ao marginal: “Se é bandido, então tem que sofrer, tem que pagar. Eu que trabalho e pago imposto vou sustentar hotel cinco estrelas pra vagabundo?”

É neste contexto simultâneo de críticas ao sistema penitenciário e de aversão ao tema no debate público que uma alternativa pouco conhecida tem começado a se firmar. Estamos falando da chamada “Parceria Público-Privada” – as PPPs. No caso dos presídios, essa parceria é peculiar porque se baseia em um contrato de longa duração firmado entre os governos e consórcios de empresas que vão financiar, construir e gerenciar os presídios enquanto se incumbem das medidas de disciplina, lazer, educação, saúde e trabalho destinadas aos detentos. Como nas PPPs cabe à empresa particular reunir os recursos necessários para realizar a obra, a aplicação deste modelo é bem vista por alguns porque permitiria oferecer uma resposta rápida para a falta de vagas no sistema prisional.

Outro argumento favorável às PPPs para presídios está na diminuição do custo que o Estado teria com a manutenção de cada preso, resultante da maior eficiência administrativa da iniciativa privada. A economia de recursos ainda teria a vantagem de vir acompanhada da disponibilização de vagas de trabalho e de educação, além de bons serviços de assistência médica e todos os demais benefícios que o Estado formalmente garante aos detentos, mas não cumpre.

Em contrapartida, a transferência total da responsabilidade pela gestão das penitenciárias e dos detentos a parceiros privados é incompatível com o atual texto constitucional brasileiro. É necessário reconhecer que repassar para uma empresa privada o poder de disciplina dentro dos centros de detenção, além da própria aplicação da pena, fere diretamente a Constituição Federal, que atribui ao Estado, com exclusividade, tais funções. Ainda que as PPPs para presídios sejam defendidas pela possibilidade de melhoria da condição do preso, seu caráter inconstitucional reforça a lógica pela qual os presos costumam ser tratados: ao cidadão de bem, direitos; ao bandido, a ilegalidade.

As críticas ao modelo de PPPs para presídios não são apenas formais, mas também devem ser éticas e políticas. Transformar o preso em um objeto de exploração econômica não é negar a sua condição de sujeito de direitos? Fazer do aumento encarceramento fonte de lucro não é defender que o número de pessoas presas deve sempre crescer, seja por medidas de endurecimento das penas ou pela criminalização de novas condutas?

Ainda que com pouco alarde, o tema da privatização das prisões tem aparecido em debates legislativos, projetos de lei e iniciativas governamentais. Isso ao mesmo tempo em que se discute o aumento na repressão ao usuário de drogas e a redução da maioridade penal. Por esta razão, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC, em conjunto com a Pastoral Carcerária de Minas Gerais, foi conhecer o único presídio brasileiro construído e gerido em regime de PPP: o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte – MG. O objetivo da visita foi iniciar o mapeamento dessas prisões privadas no Brasil para entender como atuam e, assim, fornecer dados concretos para subsidiar este debate.

Nossa visita ocorreu no dia 09 de maio de 2013, guiada por diretores do presídio. Em nenhum momento foi possível conversar com presos ou funcionários de forma reservada e este dado certamente influenciou as observações relatadas abaixo, sobre as condições e o funcionamento da penitenciária.

         1) Características institucionais

A empresa responsável pelo presídio é o Consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), formado pela CCI Construções, Construtora Augusto Velloso, Teforjan, N.F. Motta e pelo Instituto Nacional de Administração Prisional (Inap). A empresa administra serviços penitenciários privatizados no Espírito Santo e no Paraná. Existe um processo judicial contra o INAP por conta das unidades que administra no Espírito Santo e há também denúncias de corrupção, do diretor Telmo Giolito Porto, relativas ao seu período como diretor da CPTM.*

            2) Perfil do preso

            A penitenciária começou a receber os primeiros detentos em 18 de janeiro deste ano e desde a ocupação total das vagas (608) não foi realizado um levantamento do perfil dos presos em relação ao tipo de crime cometido. Sabemos que são homens entre 18 e 30 anos, aptos a trabalhar e estudar, muitos deles dependentes de cuidados de saúde contínuos. Do que foi possível observar, há um predomínio de pessoas brancas. Não há presos provisórios nem estrangeiros.

            3) Aspectos estruturais

            A limpeza e a manutenção das instalações são aspectos que logo chamam atenção do visitante. A qualidade estrutural do presídio parece um aspecto importante para os diretores, que ressaltaram os materiais específicos usados na obra, especialmente os que buscam impedir a fuga do preso.

            4) Corpo técnico

            Todo o controle interno da penitenciária é feito por pessoas contratadas pela GPA, chamadas de monitores e não de agentes penitenciários. Por meio de processo seletivo, estas pessoas foram contratadas com base em um perfil psicológico e sob a condição de que não tivessem experiência profissional junto ao sistema prisional, a fim de evitar supostos vícios. Todos os monitores passaram por uma capacitação de 160h e não têm porte de armas (letais nem não letais). Apenas a segurança das muralhas é feita pelo Estado.

            Os diretores são pessoas com experiência prévia em segurança pública e sistema prisional que foram contratadas pela GPA.

            5) Relação com familiares

            Ribeirão das Neves é um município com outras penitenciárias e a PPP fica em região afastada, acessível apenas por uma estrada sem caminho para pedestres. Segundo os diretores, há um serviço de van disponibilizado pela empresa para levar e buscar os visitantes. A área de cadastro e de espera para a visita é arejada, com boa quantidade de cadeiras, máquinas para compra de bebidas e alimentos, além de sanitários.

            Todos os visitantes passam por revista íntima, a qual deve ser realizada em salas  fechadas e de forma privada. Nas salas há maca, luvas, outros materiais de higiene e banquinho para detecção de metais. As revistas são feitas por monitores, sempre do mesmo sexo do visitante. As crianças são revistadas na presença de um responsável. Não há equipamento de bodyscan. Informaram que as razões para a realização da revista são explicadas para os visitantes e, por isso, há uma maior aceitação do procedimento.

            6) Educação

            Há aulas de ensino fundamental e médio que funcionam conforme a metodologia de uma escola particular credenciada ao MEC. No entanto, muitos presos ainda não frequentam as aulas porque não possuem documentação oficial do Estado que identifique as séries já cursadas. Há uma biblioteca organizada, porém com livros antigos e, segundo a própria administração, carente de obras religiosas.

            7) Trabalho

            Visitamos as oficinas de marcenaria, onde estavam sendo feitas mesas para a empresa “Santa Teresa Móveis”. Havia muito pó, barulho e nem todos os detentos usavam máscaras de proteção. O diretor da penitenciária falou que, de fato, a empresa não tinha fornecido o equipamento de proteção para todos os membros da oficina, mas que o material faltante seria entregue em breve. Também há uma oficina para produção de sacolas plásticas, mas não foi possível fazer uma visita.

            Segundo o diretor Carlos Alfredo Sales, há um número grande de empresas interessadas em instalar oficinas na penitenciária, mas a burocracia do Estado tem atrapalhado a concretização destas parcerias.

            8) Saúde

            A área de saúde é muito limpa, organizada e parecia bem equipada. Parte da equipe de saúde estava trabalhando no momento da visita e foi possível atestar que ocorriam atendimentos. Entre os presos, houve um que nos mostrou os resultados do tratamento odontológico recebido dentro da penitenciária (implante de dentes). Os profissionais da área de saúde que atuam no presídio são: dois clínicos, uma psiquiatra, uma enfermeira, três assistentes sociais, seis técnicos de enfermagem, três psicólogos, dois dentistas e dois assistentes técnicos de dentista.

            Na parte de saúde, também foi possível perceber a acessibilidade dos espaços internos porque, de fato, há presos cadeirantes que precisam de tratamento contínuo. O consórcio distribui um kit de higiene contendo sabonete, aparelho de barbear, papel higiênico, pasta e escova de dente, desodorante e kit de limpeza da cela. A maioria dos itens do kit são redistribuídos a cada 15 dias, com exceção do sabonete e do papel higiênico (1 semana) e do desodorante (45 dias).

            9) Visão institucional

            A conversa com os diretores revelou alguns elementos sobre a forma como eles concebem a PPP. Uma das principais queixas manifestadas é a burocracia imposta pelo Estado como um entrave para a ressocialização do preso. No sistema público existem diversas dificuldades para responder com prontidão às necessidades dos presos e se torna impossível apresentar projetos inovadores. A eficiência da gestão privada aparece ligada à possibilidade de maior controle sobre o que efetivamente acontece e também em relação aos gastos. Os diretores afirmaram que a principal diretriz do trabalho é reeducar os presos de maneira integral e como exemplos deste objetivo foi citada a colocação de lixeiras na frente das celas, a proibição absoluta do fumo e a mediação dos conflitos entre os presos por meio de diálogo aberto com os monitores.

            O dever estatal de respeitar o contrato pôde ser entendido quase como um contraponto à obrigação de respeito aos Direitos Humanos. Nas falas dos diretores com quem conversamos soou como um fato inevitável que nas prisões públicas os direitos dos presos protegidos nacional e internacionalmente sejam desrespeitados enquanto que o direito do consócio à sua remuneração e a proibição de superlotação na PPP não poderão descumpridos. Parece, com efeito, que há uma supremacia do contrato em relação à Constituição.

            Por não termos tido acesso a relatos de funcionários, familiares e presos sobre o funcionamento da penitenciária, entendemos não ser possível concluir sobre a efetividade da garantia de direitos no Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves. Mesmo assim, o ITTC se manifesta de forma contrária à construção de Presídios Privados no Brasil não apenas por ser inconstitucional, mas também por não representar o ideal de Estado democrático no qual acreditamos. É preciso romper com a lógica de que o combate à criminalidade se faz com o endurecimento das penas e o encarceramento em massa. Nesse sentido, apontamos que a falência do sistema prisional brasileiro não tem como causa principal a falta de recursos, mas sim a escolha do Estado de lidar com conflitos sociais por meio do aprisionamento. Ratificamos que a situação vigente na maioria das penitenciárias brasileiras é extremamente grave e, exatamente por isso, é fundamental que o Estado assuma o seu papel de principal garantidor dos Direitos Humanos.

 

– Matéria sobre as denúncias de Improbidade Administrativa do diretor Telmo Giolito Porto:

 http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2013/05/metro-e-cptm-sao-investigadas-por-fraude-e-improbidade-administrativa

– Matéria de denúncias contra o INAP:

http://www.tj.es.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6229%3Afalta-dagua-ja-havia-sido-denunciada-por-sindicato-de-agentes&catid=3%3Aultimasnoticias&Itemid=1

– Link sobre PPPs em SP :

http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=225819

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jun 18, 2013 | Noticias | 0 Comentários

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