Há mais de 15 anos o Projeto Estrangeiras realiza atendimentos com mulheres migrantes em privação de liberdade na cidade de São Paulo. As informações coletadas ao longo dos anos foram sistematizadas em um banco de dados.
O ‘Banco de dados mulheres migrantes em conflito com a lei’ tem como função apresentar e discutir algumas questões relevantes sobre mulheres migrantes em conflito com a lei. Na segunda edição do boletim especial sobre o banco, selecionamos mais alguns dados sobre o perfil das mulheres que passaram pelo projeto.
Nota metodológica: Apesar de existir há mais de 15 anos, foi a partir de 2008 que o projeto passou a coletar informações sobre as mulheres de forma sistemática por meio de questionários. Assim sendo, as informações deste boletim se referem principalmente ao período de 2008 a 2018, em que foram aplicados 1407 questionários.
Entretanto, o total de respostas consideradas nos gráficos abaixo podem não totalizar esse número, pois nem sempre é possível aplicar todas as perguntas. Isso ocorre porque o questionário é realizado num momento de acolhimento e nem sempre as mulheres conseguem responder todas as questões. Além disso, os questionários sofreram alterações ao longo dos anos, e algumas perguntas foram inseridas posteriormente.
MATERNIDADE E ESTADO CIVIL
Uma das características mais marcantes na trajetória de mulheres migrantes em conflito com a lei é a questão da maternidade, uma vez que 80% das mulheres atendidas pelo projeto têm filhos. Esta questão não é exclusividade das mulheres migrantes, os dados disponibilizados pelo Infopen Mulheres 2016 apontam que 74% das mulheres em privação de liberdade no Brasil também são mães.
Vale destacar ainda que a maioria das mulheres migrantes (57%) possui um ou dois filhos, sendo a média geral 2 filhos para cada mulher atendida.
Em relação ao estado civil, a maioria das mulheres migrantes em conflito com a lei não possui companheiro(a), visto que 47% são solteiras, 16% são divorciadas/separadas e 7% viúvas.
Estas informações podem ser um ponto de partida para se pensar como a prisão de mulheres afeta a estrutura familiar, considerando que grande parte das mulheres atendidas são as principais ou até mesmo as únicas responsáveis pelo sustento e criação dos filhos.
Entre as mulheres brasileiras em privação de liberdade, é ainda mais expressivo o número daquelas solteiras (67%), enquanto 23% têm um relacionamento estável e 9% são casadas, mantendo um perfil semelhante em relação às mulheres migrantes com estes status de relacionamento.
ESCOLARIDADE E TRABALHO
A escolaridade é um ponto de diferenciação importante no perfil das mulheres migrantes em conflito com a lei e das mulheres brasileiras em privação de liberdade. Enquanto 48% das mulheres migrantes chegaram a cursar o ensino médio (lembrando que não necessariamente concluíram), para as brasileiras esse número cai para 32%, segundo o Infopen Mulheres.
Apesar do maior nível de escolaridade, é preciso destacar que essa informação por si só não pode ser considerada um indicador das condições socioeconômicas das mulheres que passaram pelo projeto. Questões como a situação socioeconômica de cada país e desigualdades de gênero também devem ser levadas em conta na reflexão sobre o status socioeconômico das mulheres migrantes em conflito com a lei.
Ainda que, antes de serem presas, 80% das mulheres exerciam alguma atividade remunerada, predomina entre as mulheres migrantes trabalhos de cunho informal ou por conta própria. No período de 2015 a 2017, por exemplo, a grande maioria das mulheres (65%) possuía um emprego informal.
Pelo menos 18% delas trabalhavam como vendedoras informais, principalmente vendendo roupas ou alimentos na rua ou em algum lugar improvisado. Em seguida, com 12% aparecem profissões ligadas ao serviço doméstico (faxineira, empregada doméstica etc.), ocupações estas que tendem a ser pouco remuneradas e são fortemente associadas a mulheres.
COMUNICAÇÃO
A questão da língua é uma das maiores dificuldades no cotidiano de mulheres migrantes em conflito com a lei. Ainda que uma parte considerável das mulheres fale espanhol e/ou inglês, é preciso destacar que entre mulheres atendidas no período de 2008 a 2018, 9% das mulheres migrantes não falavam espanhol, inglês ou português. Para estes casos, os questionários e os atendimentos geralmente são feitos com a ajuda de alguma outra mulher migrante que fale a língua em questão e saiba traduzir para inglês, espanhol ou português.
A barreira do idioma pode ser um grave impeditivo no acesso aos direitos das mulheres migrantes, por conta disso o trabalho do ITTC também busca acompanhar se as audiências foram feitas com tradução e em qual idioma o processo deve ser feito.