Projetos de lei para cobrar o uso da tornozeleira eletrônica são inconstitucionais, além de aprofundarem o racismo e o encarceramento

A Comissão de Constituição, Legislação e Justiça (CCLJ) da Alepe aprovou, no dia 08 de outubro de 2019, a regulamentação da cobrança aos presos ou apenados pelo uso de equipamento de monitoramento, como tornozeleira eletrônica. 

A medida está prevista nos Projetos de Lei nº 394/2019 e nº 439/2019, de autoria dos deputados Gustavo Gouveia (DEM) e Delegado Erick Lessa (PP). As propostas são para que o/a preso/a provisório/a ou sentenciado/a venha arcar com os custos totais para aquisição do equipamento no prazo de 24h após a progressão de regime ou da conversão da prisão em estabelecimento prisional para prisão domiciliar. 

No dia 09 de novembro de 2019 ocorreu uma audiência pública, onde foi apresentada uma nota técnica a fim de impedir a aprovação da lei. Apesar de ter ficado explícito a inconstitucionalidade do projeto apresentado e do seu impacto racista e encarcerador, a casa legislativa manteve o projeto e ele seguirá para votação em plenário, possivelmente na primeira semana de março.

Destacamos, novamente, que o monitoramento eletrônico é de responsabilidade do Estado, que possui o monopólio da gestão do sistema de justiça – conforme o artigo 144 da Constituição Federal –, não cabendo à pessoa acusada ou apenada o ônus de cobrir a insuficiência de recursos da Administração Pública. Nesse sentido, cabe ao Poder Público, exclusivamente, criar mecanismos adequados para fornecer equipamentos de monitoramento a quem de direito. A proposta é inconstitucional porque, também, vincula a liberdade – ainda que monitorada – às condições financeiras da pessoa, medida que viola o princípio da dignidade da pessoa humana e a vedação da prisão por dívida. Por fim, a proposta é inconstitucional por vício de origem, pois o legislativo estadual não tem competência para legislar em matéria processual penal e de execução penal, sendo essas matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional.

Para além dos aspectos técnico constitucionais, vale destacar que as propostas poderão acarretar o aprofundamento e reforço das desigualdades étnico-raciais e da seletividade penal já presentes no sistema penal brasileiro. O estado de Pernambuco possui a sexta maior população carcerária do país, e é sabido que o perfil comum no sistema prisional é de jovens com até 29 anos, negros/as, com ensino médio incompleto e pertencem as camadas mais pobres da população. A criação de uma obrigação financeira para recém-saídas/os do sistema prisional representará ônus impossível de ser arcado, o que irá gerar ainda mais dificuldades para a pessoa presa e sua família, em geral também em situação de vulnerabilidade socioeconômica. 

Também importa destacar que, em pleno exercício de fazer valer a aplicação da lei do Marco Legal da Primeira Infância, a proposta pode vir a ser mais um impeditivo para que o judiciário promulgue a prisão domiciliar para mães de crianças com até 12 anos e/ou gestantes e/ou responsáveis por pessoas com deficiência, criando assim mais uma seletividade para a concessão desse direito, ou seja, a condição financeira. 

Diante de todo o exposto, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania reforça a importância da rejeição total das propostas em referência, vez que são nitidamente inconstitucionais e, ainda, representarão no aprofundamento da seletividade das pessoas presas, em geral jovens, negras e pobres. 

De São Paulo para Recife, 04 de março de 2020.


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mar 4, 2020 | Noticias | 0 Comentários

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