‘A raiz do ódio do negro é a raiva. A do branco é o terror’: resenha do documentário ‘Eu não sou seu negro’

James Baldwin foi um escritor, dramaturgo e ativista negro. Em suas obras, abordou temas relacionados à construção da negritude nos EUA e o preconceito racial decorrente disso, além de homossexualidade e bissexualidade, e as diversas opressões sociais – escancaradas ou silenciosas. A sua escrita era visceral e dispensava qualquer tipo de maniqueísmo, e as personagens construídas por ele são realisticamente complexas.

Entre o seu legado está o manuscrito inacabado Remember This House [“Lembre-se dessa casa”, em tradução livre], que pretendia traçar paralelos entre três figuras negras de grande notoriedade no século XX, também muito próximas a Baldwin, assassinadas na década de 1960: Martin Luther King Jr., Malcolm X e Medgar Evers. O livro, de apenas 30 páginas, foi entregue ao diretor haitiano Raoul Peck após a morte do autor em 1987. No documentário Eu não sou seu negro”, lançado e indicado ao Oscar em 2017, o cineasta retoma as palavras de Baldwin, relacionando-as com os conflitos raciais atuais.

Em 1979, quando começou a escrever Remember This House, James enviou uma carta ao seu agente, Jay Acton, explicando a ideia do livro. É a leitura dessa carta, na voz do ator Samuel L. Jackson, que amarra todo o documentário, construído com a combinação de imagens e gravações antigas, contemporâneas a Baldwin, de entrevistas, passeatas, notícias e documentos, com materiais audiovisuais recentes.

Na primeira cena, gravação de um programa de TV de 1968, o apresentador questiona Baldwin sobre os avanços da comunidade negra nos EUA. O escritor responde que não há muita esperança e complementa: “a questão não é o que acontece com o homem negro aqui. A verdadeira questão é o que acontecerá com esse país”. Em uma sequência perspicaz, o diretor corta para fotos das manifestações do movimento Black Lives Matter; ao fundo, a música Damn Right, I’ve Got the Blues, do cantor Buddy Guy: I can’t win, cause I don’t have a thing to lose [“Eu não posso vencer, porque não tenho nada a perder”, em tradução livre].

A vida de Baldwin tomou novos rumos quando ele, passando uma temporada em Paris para escrever, recebeu as notícias e viu as fotos de Dorothy Counts, primeira menina negra a ser admitida no colégio Harding, em Charlotte (Carolina do Sul, EUA), e, por isso, alvo de intensa discriminação e violência numa cidade marcadamente segregacionista. Naquele momento o romancista percebeu que precisava voltar às suas raízes no Harlem, em Nova Iorque.

Na carta, Baldwin comenta sobre a representação da figura negra nas propagandas e, principalmente, nos filmes estadunidenses, nos quais o herói é sempre um homem branco, enquanto o homem negro é motivo de riso ou de ódio, e a mulher negra é serviçal ou sexualizada. Ele também fala sobre o choque de descobrir, logo quando criança, que “o mundo está contra você”. A voz de Samuel Jackson reflete: “Eu suspeito que essas histórias foram criadas para nos tranquilizar de que nenhum crime foi cometido. Nós fazemos do massacre uma lenda“.

A conclusão a que o escritor chega, no fim do desabafo, é o racismo como resposta das pessoas brancas para a sua própria culpa, insatisfação e medo. “A raiz do ódio do negro é a raiva. A do branco é o terror”. Para ele, a imaturidade foi abraçada como uma “virtude americana”. Ele lembra que o povo negro foi imprescindível para o desenvolvimento e a prosperidade dos EUA, ainda que o direito de usufruir dessas conquistas lhe tenha sido, e ainda é, negado. “A história do negro na América é a história da América”.

Por Juliana Avila Gritti

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dez 11, 2018 | Noticias | 1 Comentário

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