“Se seu filho cometeu algo errado, você tem que apanhar”, diz mãe de preso que passa por tortura para visitá-lo

“Você não educou, agora você se lasca”, ouviu Rosana, de 68 anos, de um agente penitenciário de São Paulo. Ela havia esperado mais de duas horas na fila para visitar o filho preso e foi obrigada a passar por o que chama de sessão de tortura, ou revista vexatória para entrar no presídio.

Rosana não é a única. São cerca de 270 mil visitantes que passam por situações humilhantes nas penitenciárias do estado de São Paulo, ou 3,5 milhões de revistas vexatórias por ano. Em média, 70% das vítimas das revistas vexatórias são mulheres. Desse total de revistas, apenas 0,03% dos visitantes carregam itens considerados proibidos, ou seja, 3 visitantes de cada 10 mil. Esses são os dados de uma pesquisa da Rede Justiça Criminal, realizada com dados da própria Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo. A pesquisa levou em conta dados coletados pelo Governo nos meses de fevereiro, março e abril dos anos 2010, 2011, 2012 e 2013.

“A revista vexatória é simplesmente uma tortura ao preso. Temos a cultura de bater para educar. Se o filho cometeu alguma coisa errada, você tem que apanhar”, diz Rosana, que se sente condenada junto com o filho. “Muitas mães deixam de ir, meu marido deixou de ir. Não sei o que aconteceu com ele porque não tive coragem de perguntar, mas no dia seguinte, caíram todos os dentes dele”, afirmou. “Meu filho disse pra eu não ir, engolindo choro porque lá não pode chorar. Eu disse ‘eu quero te ver, mesmo que eu seja virada do avesso’”.

A pesquisa faz parte da campanha nacional da Rede Justiça Criminal, lançada nesta quarta-feira (23), com o objetivo de aprovar um projeto de lei que proíbe as revistas vexatórias em prisões brasileiras. A campanha visa encaminhar o número máximo possível de uma mensagem padrão por este site ao presidente do Congresso, Renan Calheiros, pedindo que o Projeto de Lei do Senado 480/2013, de autoria da senadora Ana Rita (PT-ES), seja enviado urgentemente para votação.

“Toda semana, milhares de mães, filhas, irmãs e esposas de pessoas presas são obrigadas a se despir completamente, agachar três vezes sobre um espelho, contrair os músculos e abrir com as mãos o ânus e a vagina para que funcionários do Estado possam realizar um dos procedimentos mais humilhantes de que se tem notícia nos presídios brasileiros: a revista vexatória. Bebês de colo, idosas e mulheres com dificuldade de locomoção são todas submetidas indiscriminadamente ao mesmo procedimento, muitas vezes sob insultos e ameaças”, afirma a Rede.

“A revista, da forma como é feita, é ilegal porque fere a dignidade da pessoa humana”, explica o defensor público Patrick Cacicedo, coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária. “O objetivo da revista é impedir a entrada desses objetos proibidos, mas a pesquisa mostra que esse objetivo não é alcançado. Se esses objetos entram, fica claro que não é por esse meio. Outro objetivo, porém, é alcançado: evitar o contato dos familiares com os presos e com o sistema prisional, que é cheio de abusos. Esse objetivo não é declarado, mas é muito comum que os presos digam a seus parentes não visitá-los para não passar pela revista”, diz.

A responsabilidade das revistas vexatórias é dos governos estaduais. Atualmente, apenas dois estados brasileiros proíbem a prática: Goiás e Espírito Santo. Em Joinville (SC), a proibição chegou ser implantada no ano passado, mas foi derrubada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Durante os cinco meses enquanto vigorou a decisão, o número de apreensão de objetos ilegais nas prisões continuou o mesmo. A pesquisadora Raquel da Cruz Lima, uma das responsáveis pela pesquisa, sublinha que dentro da categoria de objetos ilegais estão celulares (carregadores, carcaças de telefone e até fones de ouvido podem ser considerados celulares), bolos industrializados e moedas de 10 centavos. “Toda revista precisa de uma fundada suspeita, então significa que todos são tratados como suspeitos”, diz Cacicedo.

“Nós é que pagamos o agente penitenciário para estar lá, com os nossos impostos, e eles não respeitam nosso preso que está lá dentro, não nos respeitam. As condições dos presídios no Brasil são muito desumanas, para os presos e para as famílias dos presos”, diz Valéria, outra familiar de presidiário e vítima das revistas.

Denúncia ou pedido de socorro?

“A fila e a visita são momento de violência contra o visitante. Hoje a fila da visita é vista como espaço de ameaça, de enfrentamento que o estado faz contra o visitante. Queremos promover uma mudança de paradigma”, diz Raquel.

A ONU considera a revista vexatória um “mau trato” e, dependendo das circunstâncias, configura tortura. “Embora seja expressamente proibida em muitos países e o Estado argentino tenha sido condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) em 1996 por esse mesmo motivo, o Brasil continua realizando a revista vexatória”, afirma a Rede Justiça Criminal.

*Os nomes usados na reportagem são fictícios para proteger a identidade das vítimas.

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Fonte: Brasil Post

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abr 30, 2014 | Noticias | 0 Comentários

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