“Eu não sou uma teoria. Eu existo”: evento no MPF debate identidade de gênero no sistema prisional

No último 28 de maio, o Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) promoveram o colóquio “O direito à identidade de gênero no sistema prisional”. O evento aconteceu na sede do MPF em São Paulo e discutir as dificuldades e violências em relação a pessoas transexuais e travestis encarceradas.

Na mesa de abertura, Domingos Sávio Dresch, Subprocurador-Geral da República, discorreu sobre a força que tem tomado os discursos de ódio no Brasil e no mundo. Para ele, debater sistema penitenciário pela perspectiva dos Direitos Humanos já é um desafio, e a dificuldade aumenta quando se trata de pessoas transexuais e travestis: “os indizíveis e invisíveis”. O desembargador Fausto De Sanctis e o Procurador-Geral Gianpaolo Smanio atentaram também para o cuidado especial a garantia de direitos em um cenário de crise democrática e “letargia social”, com uma “sociedade anestesiada”.

As três mesas do evento trataram das seguintes temáticas, todas no âmbito do sistema prisional: o papel das instituições do sistema de Justiça na efetivação do direito à identidade de gênero; prevenção e combate às violências física, psíquica e sexual de pessoas trans; e direito à saúde das pessoas trans.

Um dos assuntos mais abordados no decorrer do colóquio foi para qual unidade encaminhar travestis e transexuais. Obrigatoriamente de acordo com o sexo biológico, obrigatoriamente segundo a identidade de gênero ou a decisão deve ficar à critério da pessoa acusada/condenada? É interessante a designação de celas e alas especiais, como acontece em algumas unidades prisionais, ou isso colabora com a segregação e estigmatização? Embora os participantes não tenham chegado a uma conclusão unânime, um ponto em comum entre a maioria foi a necessidade da pessoa em conflito com a justiça estar envolvida diretamente na decisão.

Crítica comum foi a falta de dados institucionais sobre LGBTs na prisão, o que colabora para a ausência de políticas e procedimentos específicos para essa população dentro do cárcere. Da mesma forma, ainda são escassas as leis acerca do tema, prevalecendo resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). A Defensora Pública Isadora Brandão afirmou que há “o desafio de tentar sistematizar as denúncias para definir estratégias”.

Uma presença importante foi a deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL). Ela é a primeira mulher trans e negra a ser eleita para o Congresso Nacional: “[a adjetivação] é algo apontado por outros. Antes eu só era. Não queria ter que me afirmar, mas… Eu não sou uma teoria, eu existo”. Ela disse que, embora seja um espaço transitório, o cárcere ignora as particularidades e subjetividades de trans e travestis.

Para Marina Ganzarolli, presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB/SP, a violência contra essa população dentro das unidades prisionais é um reflexo da marginalização estrutural da sociedade que elas sofrem ainda fora do cárcere. Atualmente, grande parte delas recorre à prostituição para se sustentar, uma vez que são excluídas do mercado de trabalho e constantemente privadas de acesso à cidadania e vítimas de violência. Segundo pesquisas de entidades independentes, a expectativa de vida desse grupo é de 35 anos.

Beth Fernandes, psicóloga e presidente do Conselho Estadual LGBTT de Goiás, apontou para a urgência de despatologizar as identidades trans. Este ano a Organização Mundial de Saúde (OMS) oficializou sua decisão de retirar a transexualidade da lista de transtornos mentais. Entretanto, os profissionais da medicina e da psicologia, de forma geral, ainda não estão capacitados para lidar com essa população – o que se agrava dentro de unidades prisionais, previamente já deficitárias nessas duas áreas.

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jun 18, 2019 | Noticias | 0 Comentários

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